21.12.2015 | Raul Jungmann

21.12.2015

FOLHA DE PERNAMBUCO

ENTREVISTA/ RAUL JUNGMANN (PPS-PE) – DEPUTADO FEDERAL

“STF FEZ UMA COLOSSAL TRANSFERÊNCIA DE PODER”

DANIEL LEITE

A decisão do Supremo Tribunal Federal de modificar a tramitação do impeachment definido pela Câmara dos Deputados é, em parte, o preço que a Casa paga por ter como presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A opinião é do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), que se disse surpreso com a decisão do STF, de intervir no rito interno de outro Poder. “Essa intrusão do Supremo, que legislou, é, em parte, o ônus da desmoralização de termos Eduardo Cunha como presidente”, afirmou o pós-comunista. Para ele, a partida do processo contra a presidente Dilma Rousseff, “pelas mãos imundas de Cunha”, foi muito ruim, mas acrescenta que quatro fatores serão decisivos para a manutenção ou não da petista no cargo: A Lava Jato, a crise econômica, o povo nas ruas e votos no Congresso.

Na última quinta-feira, a decisão do STF com relação ao rito do impeachment terminou favorecendo o governo. Como a oposição recebeu a notícia?

Ficamos surpresos. Do voto correto do ministro Luiz Fachin na quarta-feira (16), no dia seguinte o plenário decidiu intervir no rito interno de outro Poder, a Câmara. De quebra, impondo o voto aberto para a eleição da comissão especial que analisará o impeachment da presidente Dilma, quando o voto é secreto nas eleições do Supremo… E fez mais: anulou a eleição da chapa avulsa e adotou uma solução girafa, com os líderes indicando os deputados à comissão e o plenário votando, decidindo. E se os nomes indicados forem rejeitados, como é que fica? Essa intrusão do Supremo, que legislou, é, em parte, o ônus da desmoralização de termos Eduardo Cunha como presidente da Casa.

Isso muda alguma coisa na estratégia da oposição? Há espaço para modificar os parâmetros do STF?

Uma ala do PMDB ligada a Cunha ainda tentará garantir a permanência da chapa avulsa… Olha, quatro coisas vão decidir, a vera, se teremos impeachment ou não. A Lava Jato, crise econômica, povo nas ruas e votos no Congresso. Para mim, a operação Lava Jato vai chegar em Dilma, por tudo que já se sabe, não tem como não chegar. Não se pode ser ao mesmo tempo um anjo e conviver com uma quadrilha. Não dá. A crise econômica engoliu 2015 e vai devorar crescimento e empregos em 2016 e 2017, sem chance. Esses dois primeiros pontos influenciarão decisivamente os dois outros – povo nas ruas e votos nos Congresso. A oposição aposta que vai ter povo e votos necessários lá pro fim do terceiro trimestre do ano que vem.

Com esta decisão, acredita que o impeachment pode tomar outro rumo?

A partida do impeachment foi muito ruim, pelas mãos imundas de Cunha e para salvar o seu pescoço. Mas o pedido de impeachment é um fato jurídico incontestável e autônomo. A presidente cometeu, sim, crime de responsabilidade, segundo a Constituição e a Lei Federal 1079 de 1950. Abriu crédito suplementar por decreto, contraiu “empréstimos” junto à Caixa, Banco do Brasil e BNDES, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e deixou de contabilizar tudo isso nas prestações de contas ao Congresso. Tudo para enganar o povo e ganhar as eleições de 2014, configurando um estelionato. Isso são fatos jurídicos. Politicamente, se “impicha” um presidente quando ele e seu governo entram em colapso, falecem, deixando de comandar o Estado – o que está em processo avançado e agudo. Daí que Dilma, tendo cometido crimes de responsabilidade, além de já não reunir condições de destravar a crise política, o que por sua vez agrava e aprofunda a crise econômica em que o Brasil afunda.

Como avalia o papel do presidente do Senado, Renan Calheiros, neste sentido? Ele ganhou muito mais força?

Ao determinar que a decisão, em tese, de 372 deputados pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente possa ser arquivada liminarmente pelo Senado, o STF fez uma colossal transferência de poder da Câmara para os senadores, não resta dúvida. E, claro, Renan ganha peso com isto. No aspecto, a Câmara virou órgão de assessoramento do Senado…

Como foi recebida a saída de Levy? Acha que foi um gesto para contemplar a base de Dilma, que criticava a política econômica?

Ou ele mesmo não aguentou mais se ver constantemente inviabilizado? Nelson Barbosa foi o comandante, juntamente com o ministro Guido Mantega, da chamada Nova Matriz Econômica que deu no que deu: recessão, desemprego, inflação, etc. Ele ajudou a arrebentar as finanças públicas, comprometeu a saúde dos bancos oficiais, estimulou as famosas “pedaladas Fiscais” e por aí vai. Levy era o malvado mentor do “austericídio,” ao qual Dilma entregara a alma e o seu (des) governo. Esse era o enredo do PT e parte da esquerda. Agora vamos tirar a prova disso. A minha aposta é que isso não muda o curso da decadência do governo, que não tem rumo, projeto, política, senão buscar sobreviver, salvar o pescoço. Esse é um governo natimorto.

O governo conseguiu, de certa forma, arrumar a casa com a aprovação de grande parte dos itens do ajuste fiscal? Como isso vai refletir na crise?

O governo não conseguiu arrumar a casa coisíssima alguma! No início do ano se propôs um superávit nas contas nacionais, um saldo, de 1,2% do PIB e terminou o ano de 2015 com um rombo nas contas de mais de R$ 100 bilhões. E 2016 não será diferente. A dívida pública bruta pulou de 51% do PIB em 2011 para 66% atuais e até o fim do mandato deve atingir 80%. O rombo Previdência idem, tal qual bola de neve… Em termos fiscais esse governo é um desastre, haja visto que perdemos o grau de investimento duramente conquistado. O câmbio tem ajudado as exportações e a balança, mas impacta na inflação e arrecadação de impostos tem despencado mês a mês. Esse governo, politicamente em coma, não tem como reverter essa situação que ele mesmo montou. A crise vai piorar, lamento dizer.

Como avalia a situação de Eduardo Cunha? Qual o sentimento sobre ele na Câmara? Acha que ele poderá ser afastado em breve?

As pessoas me perguntam, quando ele sai? Em resposta, digo que ele sairá, mas não vai ser fácil, por três motivos. Ele tem uma tropa de choque que atua em sua defesa e que foi por ele financiada nas últimas eleições e que, por isso, estaria “nas suas mãos”. Segundo, nosso regimento interno, as regras do seu julgamento pelos pares, lhe favoreceu e ele o domina como poucos. Por último, numa casa presidencialista como a Câmara, um presidente dispõe de um enorme poder de retardar e se contrapor a processos que lhe são contrários. Mas ele cairá, não tenho dúvidas. Via Justiça ou por nossa decisão.

Como suas sucessivas manobras estão sendo encaradas pela maioria dos congressistas?

Pelo conjunto, não sei. Por mim como uma descarada e indefensável, por vezes tosca e primária, mafiosa mesmo, maneira de postergar a perda da presidência e do mandato. Hoje, Cunha é o presidente da desordem e não da ordem. E a desordem se espalha por toda a Câmara – plenário, comissões, debates. Se a autoridade máxima da Casa carece de respeito, credibilidade e legitimidade, todas as relações, o ambiente, se degradam, deterioram e se dissolvem n violência verbal, física ou simbólica. Ainda mais num Congresso de réus, reais ou potenciais, imagine como é ir prá lá trabalhar…

As últimas manifestações pró-impeachment tiveram um número menos de participantes. Já os atos pró-governo foram maiores. Dilma ainda detém algum apoio, apesar de a popularidade baixa? Isso influenciará na questão do impeachment?

Para mim, não significa grande coisa, não. Esse processo de impeachment veio numa hora em que todos nós, oposições sabíamos que a maré dos protestos estava em baixa e que só deveriam ressurgir com força depois de fevereiro de 2016. Mas analisando o processo de impeachment de Fernando Collor, eu tenho feito isso, vê-se que foi um sobe e desce, umas idas e vindas, onde as oposições foram acumulando forças até o final que todos sabemos. A rigor, após os dois meses e meio iniciais e “imperiais” onde Collor pode tudo, ele só fez cair, progressivamente. Com Dilma está sendo assim. Com uma crucial diferença: Collor, a rigor, e, sobretudo depois de junho de 1992, nunca dividiu a sociedade e Dilma ainda divide. E, sem qualquer dúvida, se ocorrer o impedimento da presidente, o pós-impeachment dela será muito diferente do de Collor. Eu tenho alertado para isso. Aliás, devo dizer que resisti à ideia do impeachment o quanto pude, e esse cenário político muito me entristece, angustia. Sinceramente, eu tentei ajudar, buscar outras saídas, participando de articulações entre o Governo e a oposição. Eu dizia a um ministro amigo meu, igualmente preocupado “vocês são governo, jogam com as brancas, façam o primeiro movimento”. Mas nada. Agora, quero que essa situação se resolva de uma vez, e o mais rápido possível. O Brasil precisa urgentemente disso.