PLEBISCITO SOBRE ARMAS É GOLPE | Raul Jungmann

PLEBISCITO SOBRE ARMAS É GOLPE

Por Raul Jungmann 

Em outubro de 2005, o povo brasileiro foi às urnas para votar no chamado “referendo do desarmamento”. Por 64% a 36% venceu a proposta pela continuidade da comercialização de armas de fogo. A campanha foi limpa, com tempos de rádio e tv iguais para os dois lados, o do “sim” e o do “não”, este afinal vencedor.Propor agora uma nova consulta popular é um desrespeito à vontade democrática e soberana dos brasileiros, é desrespeitar o resultado das urnas e um péssimo precedente.

Se for possível revogar a decisão da maioria ao sabor do momento e/ou vontade dos governantes, então não temos decisões, mas contingências; não temos regras, mas anarquia.   Estaríamos, assim, agindo no reino da insegurança jurídica e democrática, nos submetendo ao talante da vontade do conduttieri de plantão.

Não vem ao caso se brasileiros e brasileiras votaram “não” porque se sentiam expostos à violência e a barbárie cotidiana e, sem um Estado que os defenda da criminalidade,                                                                             optaram pela possibilidade de comprar armas algum dia. Pouco importa – embora para nós importe muito – se a liquidez e o número de armas tenham razão direta com o número de mortes por armas de fogo, e estas, desgraçadamente, continuem matando.

Acima de todas essas considerações, repito, está a vontade da maioria, está o respeito às regras do jogo democrático. Sem as quais, com ou sem armas, não alcançaremos uma sociedade mais justa e que respeite o direito à vida.

Afirmo isso na qualidade de secretário nacional da Frente Brasil sem Armas, que fui, além de coordenador do referendo do desarmamento. Também fui o criador da Subcomissão de Controle de Armas e Munições da Câmara dos Deputados, a primeira nas Américas, e ainda sub-relator da CPI do Tráfico de Armas.

A derrota de 2005 não abalou as convicções que tenho que quanto menos armas, mais vidas. E que os controles introduzidos pelo Estado, via Estatuto do Desarmamento, foram e continuam sendo decisivos para inverter a curva ascendente das mortes por armas de fogo, que nos colocam na triste condição de recordistas mundiais em números absolutos.

Ao presidente Sarney, de quem desconheço o currículo em defesa do desarmamento, podemos sugerir dez medidas essenciais para controlar armas, munições e reduzir assassinatos. E ele em muito nos ajudaria se se dispusesse a apoiá-las com o peso do Senado Federal.

Por inaceitável e dramática que seja a tragédia de Realengo e a morte de crianças inocentes, as saídas para evitar que ela se repita não podem ter por vítima a democracia.

Plebiscito sobre armas agora é oportunismo, demagogia ou golpe.