JAMAIS VOLTARÃO, MENINOS | Raul Jungmann

JAMAIS VOLTARÃO, MENINOS

Dois dias antes do meu aniversário de 12 anos, fez-se a treva do meio-dia, a ditadura militar, da qual eu só sairia 20 anos depois, aos 32, em 1985.

Todas as minhas referências essenciais, escolhas e juízos sobre o que é relevante na vida pública e sobre meu País, o que sou e penso, foram aí organizados, construídos.

Amo e defendo a democracia como algo meu – e certamente de todos – porque dela fui privado, e tive que, por ela, lutar e correr alguns riscos que outros, amigos e não, correram maiores, entregando a sua (re)conquista, até a própria vida.

Talvez por isso, me dói e dá raiva quando falam mal da política e pedem o seu fim.

Porque sei na carne que viver sem ela é um inferno, onde não há liberdade, justiça ou quem nos defenda – só insegurança, medo ou abjeta submissão.

Se me apego tanto às instituições – Congresso, eleições, Constituição, estado de direito etc -, é porque, ainda que incompletas e precárias, são elas uma promessa de um país humano e menos desigual, que vamos construindo.

Então, é com imensa tristeza o que sei – sim, eu sei – o que está por vir…E que eu, em absoluto, não desejo, mas virá.

Em breve, o impeachment da Presidente República baterá às portas do Congresso Nacional. Ele mesmo, às voltas com dezenas de cassações e transformado em delegacia de polícia.

Então, creio, o País se dividirá, a favor e contra o impedimento de Dilma, com todas as suas nefastas consequências, enquanto as trevas do meio-dia flertarão com a turbulência das ruas.

Há quem acredite que essa será a nossa derradeira (?) crise, a final e purificadora crise, parteira do nosso real nascimento como Nação.

Mas eu, que ao narrar aos meus filhos o que foram aqueles longos anos de chumbo do passado, concluía, num misto de desejo e esperança, que eles “jamais voltarão, meninos”. Sinto-me triste e deprimido com o que talvez esteja por vir.

Raul Jungmann