O SEQUESTRO NOSSO DE CADA DIA | Raul Jungmann

O SEQUESTRO NOSSO DE CADA DIA

São sete horas da manhã. O portão abre e eu estou preso. Estou preso, paralisado, imóvel. Todos os dias, de manhã, à tarde ou à noite.

Eu já nem olho mais para o relógio. Fico olhando pela janela, impotente, ou me desligo falando ao celular, que cai a cada minuto.

Não tenho mais estresse. Tem que ter uma dose de surpresa, de imprevisto, para o estresse tomar conta.

Hoje – desde quando? – ficar preso, imóvel, nas ruas e avenidas do Recife é uma certeza, assim como as fases da lua ou as marés.

Estamos todos presos, condenados, sem sentença, defesa ou direito à apelação na Grande Cela Recife.

Nivelados, enfim, estamos todos no mesmo labirinto, estejamos de carro, ônibus ou de barco – como gostaríamos quando chove.

Aliás, as chuvas que despencam sobre nosso purgatório diário, se de um lado agravam as nossas penas, de outro nos fazem absolutamente majoritários, pois pedestres, ciclistas, caminhões e motoqueiros também são presos e nos fazem companhia…

Não, eu não creio mais que BRTs, BRs, corredores, “terminais desintegrados”, viadutos, binários, ciclovias ou o que for nos salvem. Que venham todos os que que possam minorar nosso sofrimento. Mas já não acredito, já não tenho mais ilusões.

Ou, talvez, reste uma só: uma radical, profunda e continuada revolução que coloque o transporte coletivo no coração infartado da cidade, na nossa mobilidade e nos liberte.

Fora disso, tudo o mais é sequestro.

Raul Jungmann
Vereador do Recife