DIÁRIO DAS RUAS | Raul Jungmann

DIÁRIO DAS RUAS

Desci do carro no Clube Internacional para ir caminhando até a praça do Derby, aonde o pessoal me esperava.
Dei dois passou e uma senhora me olhou e falou “ihhhh!”. Me lembrei na hora do que meus amigos  falaram: “Não vá a manifestação. Você vai ser vaiado, xingado, o movimento é contra a política e os políticos. Vai sair no jornal, você só vai se desgastar”

DIÁRIO DAS RUAS
 
Por Raul Jungmann
 
 
 
Desci do carro no Clube Internacional para ir caminhando até a praça do Derby, aonde o pessoal me esperava.
Dei dois passou e uma senhora me olhou e falou “ihhhh!”. Me lembrei na hora do que meus amigos  falaram: “Não vá a manifestação. Você vai ser vaiado, xingado, o movimento é contra a política e os políticos. Vai sair no jornal, você só vai se desgastar”
Bom, era um risco real, sim. Mas ficar em casa com medo de um desgaste me faria mais mal que uma vaia ou xingamentos nas ruas. E decidi ir.
Mais adiante encontrei uma dupla de jovens que me reconheceu e saudou. O pai veio para perto e pediu para tirar uma foto. Como não, disse e pensei: vou chamar a atenção de todos e pode vir provocação. Não veio. Me pediram mais fotos novamente adiante. Tirei de novo, ao lado do quartel do Derby.
Foi quando uns rapazes, uns três ou quatro, me reconheceram e falaram alto “Raul Jungmann aqui?! Sem políticos!”…Olhei para eles rapididamente e segui em  frente.
 
Procurava a agencia do Bradesco. A multidão ia se tornando mais e mais compacta enquanto eu ia avançando. Cumprimentos de alguns, olhares de reconhecimento de outros, algumas saudações e cheguei a minha turma.
Ficamos ali batendo papo, muita gente em volta, clima alegre e efusivo da moçada, que era predominante.
Meia hora depois fui localizado pela imprensa, que começou a fotografar e me entrevistar. Novo teste. Agora, muitas pessoas olhavam prá mim, eu o político. Um rapaz começou a me filmar enquanto respondia com calma as perguntas da repórter.
 
A minha volta, um mar de cartazes feitos com cartolina e pincel. Cada um tinha o seu, cada um e cada uma tinha o seu recado, sua mensagem. Era como se , vindos das internet, eles portassem a sua time-line, sua pagina do facebook nas mãos.
Não havia uma palavra de ordem, mas centenas. Como na rede, sem hierarquia, sem centro, sem dono. Chegara a hora de começar a caminhada.
Atrás de mim, um time de repórteres seguia os meus passos. A espera da vaia ou do xingamento. Dos dois, provavelmente. E como eu era um dos raríssimos políticos presentes, a atenção era redobrada.
Na altura do início da Conde da Boa Vista, uma senhora saiu da calçada aonde estava, e veio para rua e me disse: “parabéns por você estar aqui”. Agradeci e a abracei, caminhamos por alguns passos juntos e ela se foi. Outra me aborda e diz que me acompanha pelo face.
Ali, tenho a impressão que quase todos vieram das redes para as ruas, atravessando o espelho do virtual para o real.
É quando a minha direita, um pouco mais atrás, um grupo começa a cantar alto “todo político é tudo igual, todo político é farinha do mesmo saco!!”. Será comigo?! Talvez. Mas não falam o meu nome e em instantes o canto cessa. Bom, penso, essa vai sair no jornal…
Em momento algum me arrependo de ter ido. Sabia e pesei os riscos e o provável desgaste. Mas, que vergonha eu teria de mim mesmo ficando em casa com medo de me expor! Afinal,  eu fora tantas vezes às ruas sob a ditadura, em plena repressão, quando os riscos eram muito maiores, por que não agora?!
E eu gosto de rua, da manifestação, de povo. Tantos anos e tantas manifestações depois e a emoção me toma, a garganta seca…Vejo aquela meninada alegre, cartazes ao alto, caras pintadas, cantando… e um sentimento amoroso me toma, invade, por todos eles. São os nossos filhos assumindo a cidade, o pais, fazendo-os deles e para melhor.
 
Meus filhos também estão nas ruas, mas não ao meu lado. Avessos a política, mas antenados e críticos, andam em algum  lugar e volta e meia penso neles, mas nada além de uma preocupação paterna. Não tenho medo de multidões e passei isso para eles, acho. Tudo vai dar certo. E, depois, em casa, eles me contarão animados como foi a experiência de cada um.
Súbito um corre-corre que logo cessa. É assim mesmo e o importante é manter a calma.
Já era noite quando resolvi sair,  cansado, duas horas após chegar. Na lanchonete próxima a casa de Pierre, as conversas juntavam os cacos da história de todos que cada um vivera a seu modo.
 E, pela internet, sempre ela, tomávamos consciência do que se passava nas ruas do pais, no Rio de Janeiro, São Paulo, Belô, mas também numa centena de cidades outras onde mais de um milhão de manifestantes foram as ruas  –  alem de nós que, felizes e cansados,  festejávamos nossa história comum de esperança  naquela tarde memorável. 
 
 
Raul Jungmann