Cuba e o silêncio não-inocente dos cúmplices | Raul Jungmann

Cuba e o silêncio não-inocente dos cúmplices

Por Raul Jungmann
Se um pais instalasse mísseis nucleares em Fernando de Noronha com capacidade de destruir as principais cidades brasileiras e literalmente arrasar o Brasil, você algum dia o perdoaria?

Em outubro de 1962, na chamada crise dos mísseis, Cuba fez isso com os EUA. Se a crise armada por Fidel Castro e Nikita Kruschev fosse adiante, e esteve a milímetros de ir, talvez hoje não existisse o que chamamos de humanidade.

Penso sempre nisso quando ouço que Cuba é o que é, uma ditadura, em razão do bloqueio econômico que lhe move os Estados Unidos, há mais de meio século. Aliás, recordo que durante a nossa ditadura,  usava-se da mesma lógica para justiticar o estado de exceção, ao atribuir ao “movimento comunista internacional” a necessidade de manter o regime, a censura e os porões.

Claro, sou contra o bloqueio, porque anacrônico e dá fôlego aos irmãos Castro, assim como fui, aqui, contra as razões dos hierarcas autoritários para se perpetuarem no poder.

Nada tenho contra Cuba e os cubanos, ao contrário do que apregoa Jodeval Duarte, dizendo ouvir antigos companheiros de esquerda. Mas tenho sim, como socialista e democrata, contra as continuadas e inaceitáveis violações dos direitos humanos a que são submetidos os que contrários a ditadura cubana.

Me sinto próximo e comprometido com os dissidentes e presos políticos cubanos, aliás de qualquer lugar, país ou regime. Mais que política ou razão, isso é um afeto, um sentimento que tenho, e que me vem, habita, dos longos anos em que amigos e parentes foram presos, torturados ou desapareceram. É visceral.

Não há razão de estado, política ou o que seja para calar quando alguém morre de fome em protesto por seus direitos e dignidade. O respeito ao ser humano e seus inalienáveis direitos não podem se submeter a quaisquer particularismo. Eles são, e devem ser universais, incondicionados.

Se o regime cubano, passado meio século de sua fase revolucionária, ainda se mantém pela repressão a uma oposição pacífica, nenhum democrata e socialista pode com ele se sentir compromissado ou defendê-lo. Sob pena de sancionar regimes outros, ainda que diversos, como o do Irã, Sudão ou Coréia do Norte.

Dizer-se contra o que se passa em Cuba não é em absoluto compactuar com o que fez e faz os EUA. Ao contrário, é preciso denunciar e cobrar a paralisia do governo Obama, após gestos iniciais promissores. Sem esquecer tentativas passadas e malogradas de intervenção, como a da Baía do Porcos no governo Kennedy.

Daremos passos largos, em termos civilizatórios, se apartarmos a defesa dos direitos humanos de quaisquer razão ou razões instrumentais. As Nações Unidas, a declaração universal dos direitos do homem, os tratados e acordos internacionais, amparam a intervenção em assuntos de um país quando diante de graves violações aos direitos e garantias fundamentais.

O princípio da não intervenção em assuntos de uma outra nação tem por limites a paz  e os direitos humanos, hoje sob tutela do direito internacional. Desse ponto de vista, que é também ético e moral, por que calar e se acumpliciar com quem prende, tortura e degrada? Que ou qual projeto de esquerda ou socialista pode dar sustentação ao silêncio ou a defesa do indefensável?

Calar diante do que se passa em Cuba hoje é macular qualquer projeto político que tenha a emancipação do homem como objetivo e a humanidade como plena de dignidade, universalidade e valores.