BAÚ DE OSSOS I : Marina | Raul Jungmann

BAÚ DE OSSOS I : Marina

Ela está nas manchetes de todos os jornais. Marina no PV, Marina candidata a presidente. Mexendo num velho álbum, lá está ela, pouco mudou, ao lado de José Genoíno, me cumprimentando pela  posse no Ministério da Reforma Agrária, em pleno Palácio do Planalto, naquele distante abril de 1996.

Tínhamos nos conhecido dois anos antes, quando eu ainda era presidente do IBAMA. Ela me convidou para ir ao Acre, sua terra natal, conhecer a experiência das resex, reservas extrativistas, que eram bancadas por nós, e lá fui eu.

Chegando a Rio Branco, pegamos um monomotor para a floresta. Sacolejamos um bocado e Marina que tinha muito medo, se continha com determinação. Medo tive eu, quando o avião iniciou a descida e não víamos a pista. Quando a vi, não acreditei: “aquilo lá é a pista de pouso?”, perguntei aflito. Era. Na cabeceira, da qual nos aproximávamos velozmente, umas árvores enormes iam desaparecendo por baixo daquela casca voadora, mais e mais próximas, a ponto de quase sentirmos que roçavam as asas e o trem de pouso.

Nos chocamos com o chão de barro batido da pista e fomos para adiante, aos solavancos, sem fôlego. Imagine sair daqui, pensei, enquanto o piloto nos esclarecia, candidamente, que já tivera que arremeter outras vezes pela existência de animais ou  carros cruzando a pista…

De lá, fomos direto para as reservas no meio da selva. Vimos como produziam, educavam suas crianças, colhiam a safra, construíam suas casas. Fizemos uma roda num galpão rústico e conversamos por um bom tempo, sob um calor úmido e pesado. Despedimo-nos e fomos embora.

Ao chegarmos de volta à pista, uma explicação: o pessoal que tinha ficado lá, ao lado do avião, era para evitar alguma sabotagem. Os adversários eram violentos e não iriam esquecer os “embates” promovidos no passado pela franzina Marina, que parecia flutuar sobre as sandálias de couro entrelaçado.

Antes de partirmos, Marina nos levou à casa onde Chico Mendes morou e foi assassinado. Lá, nos contou onde ele estava sentado, comendo, quando os assassinos entraram, sobre os tiros, o rastro de sangue pelo chão e o local da sua morte. Na volta, passamos no pequeno e precário cemitério em que Chico fora enterrado. Ficamos em silêncio ao lado do seu túmulo, pensativos. Sobre a lápide, singelos, de cortar coração, o prato e o talher de seu derradeiro almoço.

Levantar vôo dali foi uma experiência inesquecível e aterradora, mas chegamos sãos e salvos a Rio Branco. De lá, nos despedimos e voltei para Brasília, aonde Marina foi me encontrar, anos mais tarde, com um pedido.

Jorge Viana, o jovem e dinâmico prefeito de Rio Branco e futuro governador, seu querido amigo, a quem eu conhecera quando de nossa visita ao Acre, tinha terminado o mandato e precisava ter algum sustento, que, por razões políticas, estava difícil de obter.

O pedido vinha ao encontro do projeto que queríamos desenvolver, através do INCRA, de agrovilas urbanas, que Jorge tinha implantado pioneiramente em sua cidade, quando prefeito e que resultou numa excelente parceira, pelos anos seguintes.

Daí por diante, encontrei Marina várias vezes no Congresso, sobretudo no período anterior ao que ela tornou-se ministra do Meio Ambiente, às voltas com uma agenda exaustiva e fundamental para o país.

Olho com atenção suas fotos e reparo que fisicamente ela mudou pouquíssimo, desde então. Continua com aquele seu ar frágil e sorriso tímido. Engano de quem pensar que um e outro, fragilidade e timidez, se aplicam à sua vontade e determinação em defesa do que acredita.