A polêmica da Anistia: uma conversa com Paulo Vannuchi, secretário nacional de Direitos Humanos | Raul Jungmann

A polêmica da Anistia: uma conversa com Paulo Vannuchi, secretário nacional de Direitos Humanos

Anteontem recebi a ligação de um velho e querido amigo, Paulo Sérgio Pinheiro, cardeal e referência maior na área de direitos humanos em nosso Pais e delegado especial da ONU para o tema.

Falamos longamente sobre o III PNDH (Plano Nacional de Direitos Humanos) e o impasse da atual crise decorrente da Comissão da Verdade. Resolvi, então, ligar para o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que está de férias. Antecipei, assim, meu propósito de ouvi-lo sobre o que se passara.

Abaixo, um resumo do que conversamos, eu e Vannuchi, tendo eu o cuidado de avisá-lo que iria por neste meu Portal uma síntese do principais pontos da sua fala. Eis os pontos:

a. Quando o presidente Lula fez escala em Natal, rumo a Copenhague, no dia 15 de dezembro, o ministro da Defesa, Nélson Jobim, falou pra ele que a expressão “repressão política”  deveria ser complementada com a referência a “conflitos políticos”. Ou seja, além dos militares e civis que participaram da repressão, deveriam ser objeto de investigação os militantes da esquerda que pegaram em armas.

b. O presidente da República concordou e Gilberto Carvalho me ligou na madrugada do mesmo dia para avisar que teria que mudar o texto do III PNDH. Falei pro Gilberto que não dava mais. Que o material já tava na gráfica, que o lançamento do III PNDH estava super atrasado e que qualquer modificação poderia ser feita mais adiante, quando do envio do projeto de lei.

c. Claro, não me agradava a fórmula. Os militantes da esquerda foram investigados e condenados, essa parte da história é pública. Mas, afinal, tudo até ali tinha sido negociado com a Defesa, com o Jobim. Inclusive, em setembro eu tinha ido pessoalmente levar o III PNDH a ele, que me devolvera o texto com três mudanças. Foi uma luta com o pessoal dos direitos humanos, mas aceitamos tudo, então porque aquela mudança de última hora?

d. Mas eu quero deixar claro que não serei obstáculo, que não criarei problema algum para a inserção da expressão proposta pelo ministro Jobim. Em algum momento, deixa passar isso ai, eu vou falar o que penso e o que se passou. Não tivemos intenção alguma de promover essa crise, muito menos traímos ou rompemos pacto algum.

e. Entendo que se o Congresso não quiser, se a sociedade não quiser, essa questão não vai adiante, e se quiser vai. Não somos nós, não sou eu que decido isso. É o Congresso, o parlamento. E se ele quiser isso, ficara lá dez, quinze anos. É do jogo democrático. E lá, na Comissão (da Verdade), não tem julgamento de ninguém, não. Isso quem decidirá, isso está no STF. É lá que essa questão vai ser definitivamente resolvida, e não por nós.

f. Outra coisa que quero esclarecer: não nos propomos a extinguir ou mudar a Lei da Anistia, embora tenha passado essa impressão. Isso quem vai decidir, repito, é o Judiciário, o STF. Agora, direito à verdade, à memória, a saber o que se passou, isso é inegociável e todas as nações que passaram por isso, por esse processo, o fizeram. Até para que tais fatos não se repitam nunca mais.

Do que vai acima se deduz que a distância entre os Diretos Humanos e a Defesa, em que pese a crise e suas seqüelas, não é insuperável, já que ambos concordam com a redação “repressão política e conflitos políticos”, ou seja, que os dois lados sejam objeto da Comissão da Verdade.

Ainda que interessados em conhecer todos os aspectos dessa crise, essa não é uma questão de governo versus oposição, mas um assunto que envolve aspectos institucionais, morais, éticos e de Estado graves e abrangentes. Daí que vou propor que o convite aos ministros da Defesa e dos Direitos Humanos para participarem de audiência pública na Câmara dos Deputados seja encaminhado por nós, da posição, e um parlamentar da base do governo.

Para sinalizar, claramente, que nessa questão, todos nós temos responsabilidades e deveres, ainda que diferenciados.