A grande obra é desrespeitar a dignidade das pessoas | Raul Jungmann

A grande obra é desrespeitar a dignidade das pessoas

“BOM ARTIGO-DENÚNCIA DE EDILSON. EU RECOMENDO”
Publicado por Valdecarlos Alves, em 25.05.2012 às 08:51

Estivemos esta semana acompanhando famílias da comunidade Bom Jesus, em Boa Viagem, desalojadas pela prefeitura do Recife na madrugada da terça (22/05) para quarta feira. As famílias estavam há vários meses ocupando uma área pública. A prefeitura, sem um mínimo aviso prévio, sem determinação judicial, chegou às 5 horas da manhã com reforço policial e demoliu tudo, destruindo o pequeno patrimônio que as mais de 40 famílias possuíam.

 

Mulheres grávidas, dezenas de crianças, muitas delas recém-nascidas, foram jogadas no meio da rua. A prefeitura se limitou a afirmar que as residências eram irregulares, recentes (menos de 1 ano de ocupação) e que, portanto, as famílias não tinham direito a auxílio-moradia ou qualquer outra medida de assistência social por parte do poder público. Um filme de terror e irresponsabilidade ao mesmo tempo.

Sem ter para onde ir, os desabrigados rumaram para a Câmara de Vereadores, onde ocuparam as dependências para exigir uma saída minimamente digna, ou seja, não ficarem perambulando pelas ruas. No final da manhã da quinta-feira, deslocaram-se para a sede da prefeitura, mantendo sua pauta mínima de reivindicações: um local fixo para alojarem-se.

A prefeitura do Recife acumulou três graves erros neste episódio. Primeiro, quando não tem um plano de habitação popular que minimize o sofrimento dos sem-teto em nossa cidade. Segundo, quando não agiu imediatamente após a ocupação de uma via pública, de forma que as famílias não consolidassem ali uma comunidade, que não se faz só de pessoas, mas de sonhos, expectativas, esperanças, relações humanas. Terceiro, quando remove as famílias como se fossem menos que uma caçamba de entulho abandonada, pois quando disso se trata, ao menos a prefeitura já tem um local determinado para onde levará o entulho.

A insensibilidade da prefeitura foi de natureza quase criminosa. Um misto de revolta e desespero toma conta da gente ao vermos aquelas tantas crianças com menos de 2 anos de idade, inocentes, sorridentes, brincando com uma pequena bola nas dependências da Câmara de Vereadores, sem perceberem ainda que estavam a mercê do nada, que não tinham um teto para adormecer na próxima noite, que não tinham uma mesa qualquer para assentar um prato de comida, que o fogareiro precário que servia para cozinhar a precária alimentação também havia sido destruído pelo poder público.

O aperto no peito e a revolta se contiveram um pouco ao vermos jovens do NAJUP, MUDA/Direito e do Movimento Zoada (esses eu consegui identificar), todos jovens advogados e estudantes de Direito, em mutirão, buscando contribuir voluntariamente na organização da resistência, na arrecadação de alimentos, na intermediação das negociações com a prefeitura, Ministério Público, Câmara e outros entes.

Após dois dias de intensa luta, a prefeitura cedeu à pressão e alojou as famílias no Ginásio do Geraldão e cadastrou-as para receberem o auxílio-moradia. Ou seja, medidas que poderiam já ter sido negociadas previamente, sem destruir os móveis, os pertences das pessoas, sem levá-las ao desespero, sem levar pais e mães de família a terem que se enfrentar fisicamente com guardas municipais. Este episódio é mais um entre tantos exemplos em que a gestão municipal é injusta com os mais humildes, enquanto é conivente e covarde diante dos poderosos, que estão em muitos espaços públicos sem serem minimamente constrangidos.

*Edilson Silva é presidente do PSOL-PE