VOCÊ VENDERIA A SUA VIRGINIDADE? | Raul Jungmann

VOCÊ VENDERIA A SUA VIRGINIDADE?

Uma jovem catarinense de 20 anos, Ingrid Migliorini, está leiloando sua virginidade como parte de um projeto, cujo documentário é inspirado, talvez, no sucesso de bilheteria do filme “Uma proposta indecente”.

O vencedor, um japonês até aqui anônimo, consumará o ato a bordo de um avião pela bagatela de $ 1.5 mi.

Pois bem, esse leilão me choca por dois motivos.

Em 1º lugar, o espetáculo, a grande teatralização midiática e vulgar em torno de algo que deveria ser privado, relacionado a sentimentos e afeto.

De fato, ao casar-me ou ir prá cama com alguém que amo, eu necessito do mundo todo nos olhando?! Acho que não. Quero a minha volta, e isso apenas no primeiro dos casos, as pessoas a quem me ligo por laços de afeto e ninguém mais. Por que?!

Foto de Catarina na capa do site do leilão, em que vestia uma blusa de renda, foi trocada recentementeUma jovem catarinense de 20 anos, Ingrid Migliorini, está leiloando sua virginidade como parte de um projeto, cujo documentário é inspirado, talvez, no sucesso de bilheteria do filme “Uma proposta indecente”.

O vencedor, um japonês até aqui anônimo, consumará o ato a bordo de um avião pela bagatela de $ 1.5 mi.

Pois bem, esse leilão me choca por dois motivos.

Em 1º lugar, o espetáculo, a grande teatralização midiática e vulgar em torno de algo que deveria ser privado, relacionado a sentimentos e afeto.

De fato, ao casar-me ou ir prá cama com alguém que amo, eu necessito do mundo todo nos olhando?! Acho que não. Quero a minha volta, e isso apenas no primeiro dos casos, as pessoas a quem me ligo por laços de afeto e ninguém mais. Por que?!

Simplesmente, por que a minha felicidade não requer o concurso ou deslumbramento de estranhos para inflar meu ego. Ou seja, o outro que convido a testemunhar meu enlace está ali na condição de amigo, ligado por laços de afeto. Jamais como um voyeur ou espelho do meu narcisismo.

 

Em segundo lugar, me choca a mercantilização do seu corpo a que Ingrid se submete.

Muito embora ela negue tratar-se de prostituição – pois “será uma única vez”, o que menos importa é a duração do ato em si.

Certamente Ingrid não pode ser vista como uma profissional do sexo, mas como alguém que vendeu seu corpo. Como alguém que transformou seu corpo em mercadoria. E essa é a questão.
.
A mercantilização do nosso corpo nos rebaixa à condição de coisas e nos desumaniza, atingindo a nossa dignidade enquanto pessoa.

De nada importa se o comprador de Ingrid não a poderá beijar, por contrato, se usará camisinha ou se ela pretende usar o dinheiro da venda para ajudar pessoas pobres a construir suas casas.

Não interessa se a virginidade está em declínio, se é uma relíquia ou se a sua venda é uma chicotada em preconceitos moribundos e machistas.

O coração das trevas do ato de Ingrid é a desumanização, a coisificação, a que se submete. E, inversamente, a desumanização a que nos submetemos enquanto consumidores da sua descida aos infernos.

Ela talvez não tenha consciência do espetáculo degradante que encena; nós, não podemos ter essa desculpa no papel de plateia.

Raul Jungmann.