Prisioneiro de consciência | Raul Jungmann

Prisioneiro de consciência

Ainda repercute, no Brasil e no exterior, a infeliz declaração do presidente Lula, comparando dissidentes políticos em greve de fome na ilha dos irmãos Castro com bandidos comuns de São Paulo. A redução dos chamados “prisioneiros de consciência” a delinquentes de rua revoltou muita gente. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, divulgou nota em que condenou a banalização de um recurso extremo como a greve de fome, “um símbolo de resistência a um regime autoritário que não admite contestações”.

O cientista político Eduardo Viola, em entrevista ao JC no dia 14, classificou como desastrosa a comparação do presidente da República. Segundo Viola, o episódio “mostra uma atitude muito preocupante em relação à insensibilidade ao desrespeito pelos direitos humanos”, por parte de Lula. O presidente brasileiro estaria efetuando, nos últimos meses, uma espécie de volta às origens, reassumindo históricas bandeiras autoritárias do Partido dos Trabalhadores, postas de lado depois que o PT conquistou o poder. Além disso, Lula permite escapar em repetidas incontinências verbais um viés autoritário de personalidade que não enxerga qualquer problema no apoio pessoal e institucional a ditadores como os irmãos Castro ou o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

A cubana Alejandrina García, uma das Damas de Branco – mulheres e mães de dissidentes presos há sete anos, que foram recentemente agredidas e proibidas de se manifestar – fez um apelo ao presidente do Brasil. “Lula é presidente hoje, mas amanhã não será. Como homem, ele tem consciência de que esses homens estão injustamente na prisão. Lutamos por uma Cuba livre e pedimos solidariedade internaciona””, lembrou Alejandrina em entrevista publicada no último dia 18. As Damas de Branco foram definidas pela imprensa estatal cubana como um “grupinho contrarrevolucionário” que participa de uma “feroz campanha midiática” promovida pelo “império, seus cúmplices e seus mercenários”. Oficialmente, até hoje, Cuba não admite manter presos políticos.

Outro dissidente, Oscar Espinosa Chepe, que também lamentou a afirmação de Lula, disse não ter surpresa, em virtude da frouxidão do brasileiro em relação aos desmandos do venezuelano Hugo Chávez: “O presidente Lula me decepciona totalmente. Todos os democratas estão tristes porque perdemos uma figura que pensávamos que seria útil ao mundo.” O que os irmãos Castro e Lula não aceitam, segundo Espinosa, é que os dissidentes não são delinquentes, e sim patriotas.

Ao evocar a soberania dos tiranos cubanos e referir-se genericamente ao respeito à “justiça cubana”, Lula afronta os dissidentes e ignora as conquistas democráticas dos direitos humanos na América Latina – que contaram com a sua própria participação, no caso brasileiro. No entanto, quando Lula vai a Cuba, cruza a fronteira da incoerência, desvia o olhar da realidade do povo cubano, preferindo ingressar na imagem ideal de um sonho desfeito, tão cara ao imaginário revolucionário latino-americano. Além disso, gosta de trocar risonhas ternuras e posar ao lado do ditador ilhado. São visitas pessoais, alçadas impropriamente ao status de visitas de Estado.

Ao contrário de Fidel e Raúl, Lula representa um povo livre governado sob um Estado democrático – cuja história recente contou com a atuação decisiva do ex-operário. Foi eleito e reeleito presidente, após se candidatar e perder três vezes. É de se questionar se um metalúrgico, um trabalhador que se torna líder sindical e uma das principais vozes da dissidência, teria o mesmo destino na pátria da revolução cubana. Ou seria tratado como o dissidente Orlando Zapata Tamayo, morto por causa de uma greve de fome que durou 85 dias, tido pela Anistia Internacional como um dos “prisioneiros de consciência” de Cuba.

Será que o presidente do Brasil não se sente um preso de consciência, no momento em que concede indenizações a ex-presos políticos e suas famílias aqui dentro, e condena um dissidente cubano à morte, chamando-o de bandido comum? Discordar do regime já foi a marca de Luiz Inácio Lula da Silva, antes de revelar com desenvoltura a estranha simpatia por ditadores.

Fonte: Blog de Jamildo