Os descaminhos da educação no Recife | Raul Jungmann

Os descaminhos da educação no Recife

Do CENTRO DE CULTURA LUIZ FREIRE – Esta nota se inspira na literatura para alertar a sociedade em geral que a educação na Rede Municipal de Ensino do Recife está a agonizar. Aqui, nossa intenção é diferente, tratar a agonia não como um caminho inexorável para a morte, mas sim como indicador de uma profunda crise.

Esta nota se inspira na literatura para alertar a sociedade em geral que a educação na Rede Municipal de Ensino do Recife está a agonizar. Em “Crônica de uma morte anunciada”, obra de García Márquez, onde todos sabem do anúncio da morte de Santiago Nasar pelos irmãos de Ângela Vicário, que o acusou de desonrá-la. Nada se pôde fazer e Santiago Nasar foi morto.

Aqui, nossa intenção é diferente, tratar a agonia não como um caminho inexorável para a morte, mas sim como indicador de uma profunda crise e como tal, temos uma excelente oportunidade para refletir não só sobre gestão educacional,mas fundamentalmente sobre política pública.

Foi com estranheza que em dezembro de 2008, tomamos conhecimento que um médico sanitarista fora indicado pelo então Prefeito eleito para assumir a pasta de educação do Recife. E na época emitimos nota em busca de uma reflexão: será que os médicos e demais profissionais da saúde acatariam um educador como gestor da política de saúde?

Lá em 2008 e início de 2009, ouvimos comentário de que a gestão de João da Costa iria ser “focada na gestão”, como se o campo da formação em educação fosse desprovida desse elemento. Pareceu-nos que algo estava fora da ordem.

Afinal, a educação formal em Pedagogia não só dá conta dos processos de ensino-aprendizagem como também é inerente a administração e gestão escolar, dentre tantos elementos constituintes de políticas públicas educacionais, como o orçamento, elemento da gestão tão caro ao atual Prefeito do Recife.

O ano de 2009 foi iniciado com paciência: “deixa o homem se organizar!”. Esta foi outra frase muito ouvida por quem perguntava sobre os caminhos e rumos da educação no Recife, uma vez que em campanha o compromisso era com a “continuidade”.

Passaram-se pouco mais de quatro meses e os pedidos de exoneração tiveram início, pois o planejamento e os cronogramas da política que estava em curso foram gradativamente paralisados. O desmonte era observável no Centro de Formação e no prédio, onde funciona as Gerências de Educação, na Ilha do Leite.

Ao período de paciência, seguiu-se rapidamente um período de tensão. No cotidiano da gestão, práticas perseguitórias foram capilarizadas para além da pasta da educação. Cartas e mais cartas se sucederam até a carta pública do Secretário Executivo Flávio Brayner, endereçada aos Educadores da Rede Municipal de Educação, apresentando o seu pedido de exoneração, datada de 23 de dezembro de 2009.

Nesta carta o Prof. Brayner afirma haver na secretaria um “momento delicado de desorientação e incertezas” que representa “um novo projeto” de “natureza, objetivos e princípios”, aos quais ele não está mais disposto a participar.

Depois da decisão de caráter irrevogável, o Prof. Brayner segue em diálogo com os educadores em busca de algumas reflexões, para além do perfil autoritário do secretário, objeto de comentário na cidade. Foca os atos contraditórios daquilo que seria uma “gestão de continuidade”, mas paralisada; “democrática”, mas sem diálogo; “eficiente”, mas sem definir os resultados a serem buscados no planejamento, elemento básico para se modificar os baixos indicadores da educação no Recife.

A tecnocracia tomou conta da gestão de educação da Rede de Ensino do Recife e teremos dificuldade de mudar o quadro, pois na opinião do Prefeito, o que vivemos não é problema educacional, com prejuízos não só de curto, mas também de médio e longo prazo. O que se passa para o João da Costa é apenas um grupo ligado ao prefeito João Paulo que perdeu privilégios.

A bem da verdade, é necessário informar à população que o Prefeito João da Costa tinha e tem todo o direito de escolher o seu secretariado com total autonomia e liberdade. O que o Prefeito precisa saber também é que a população, o/a cidadã/o recifense tem também todo o direito de saber quais critérios fazem João da Costa manter um secretário que visivelmente é incompetente nesta pasta em diversas dimensões, desde o trato mais básico na relação com a pessoa humana, ao planejamento da pasta na definição de indicadores claros, referentes aonde a Rede Municipal de Ensino do Recife quer chegar ao final do mandato, daqui a dois anos.

Consideramos pouco inteligente manter uma pessoa numa pasta tão importante, meramente por cota partidária, se for esse o critério. Exonerar alguém é um ato administrativo de fórum exclusivo do Prefeito. Manter alguém no cargo com tantas críticas internas e externas ao governo é uma atitude eminentemente política. Entendemos que o Prefeito está pagando para ver, ao manter um sanitarista na pasta da Educação do Recife.

Entendemos que educação não rima com mercadoria. Educação, embora muitos tentem não reconhecer, é um direito, um direito tão essencial que junto com saúde e renda, compõe o chamado índice de desenvolvimento humano – IDH.

Todas as nações consideradas hoje como “potências” mundiais investiram seriamente em educação. Educar para a cidadania, para a consciência de direitos e deveres, educar para a prática de uma postura ética, educar para o mundo do trabalho, educar para a produção de conhecimento, educar para melhorar as relações entre as pessoas, educar para o reconhecimento e respeito às diferenças, colocando no centro dessa educação a pessoa humana.

Educar para que reconheçamos e valorizemos a nossa cultura e identidade. Afinal, quanto mais conhecemos a nós mesmos, mais temos condições de reconhecer e nos relacionarmos com o outro, exterior a nós. Educar para a diversidade! Isto não é algo simples e não pode ser realizado por qualquer um. É uma tarefa complexa, engenhosa e quem a exerce precisa ter muita habilidade para relacionar-se com o seu semelhante em diferentes posições e responsabilidades. Existe muito mais do que técnica. Exige competência efetiva na administração do afetivo.

O Recife de tantas lutas em prol de liberdade não pode se perder num caminho autoritário orientado por organismos estrangeiros e por fundações empresariais, que não desejam a qualificação da educação pública. Pois quando essa educação se qualifica, empodera os empobrecidos, se torna um potencial de indicador de mudança estrutural. E essa leitura que o Prefeito do Recife precisa ser ajudado a fazer.

A cidade e o/a cidadão/ã devem ser colocados em primeiro plano, acima de qualquer disputa personalista, partidária ou econômica. O administrador do presente, moderno, será aquele que habilmente fará leituras de contextos e considerará o/a cidadão/ã como seu principal aliado e para quem deve satisfação.

Centro de Cultura Luiz Freire

Fonte: Blog do Jamildo