O que é o Novo-Desenvolvimentismo? | Raul Jungmann

O que é o Novo-Desenvolvimentismo?

Por Raul Jungman, José Luis Oreiro e Flavio A.C.Basilio*
O “Novo-Desenvolvimentismo” é um “terceiro discurso” entre o discurso populista, dominante hoje em dia no Brasil, e o discurso neo-liberal.

Trata-se de um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais as nações de desenvolvimento médio, como o Brasil, buscam alcançar os níveis de renda per-capita dos países desenvolvidos.Trata-se, portanto, de uma estratégia de desenvolvimento de longo-prazo, cujo objetivo final é tornar o Brasil um país plenamente desenvolvido. 

O discurso neo-liberal, dominante no mundo desenvolvido até a crise econômica de 2008, é um discurso fundamentalmente imperialista e globalista, o qual tem sua origem em Washington (formando o assim chamado “Consenso de Washington”), tendo sido adotado na América Latina pela direita, formada pela classe rentista e pelo setor financeiro. No Brasil esse discurso, ainda defendido por economistas ligados ao setor financeiro, se baseia nas seguintes proposições: (a) o maior problema do Brasil é a falta de reformas microeconômicas que permitam o livre-funcionamento do mercado, (b) o controle da inflação é o principal objetivo da política econômica, (c) para controlar a inflação, os juros serão inevitavelmente altos devido ao “risco-país” e aos problemas fiscais, (d) o “desenvolvimento econômico” é uma competição entre os países para obter “poupança externa”; logo, os déficits em conta-corrente e a apreciação da taxa real de câmbio não são problemáticos, mas são necessários para o “desenvolvimento” do Brasil devido a nossa dependência externa

O discurso populista, abraçado por amplos segmentos do PT, estabelece que a globalização e o capital financeiro impõem ao Brasil um alto endividamento externo (devido aos fluxos de capitais voláteis) e do setor público. Nesse contexto, a única solução possível seria a renegociação das dívidas externa e pública, exigindo-se um grande desconto sobre a mesma, o que, na prática, seria um “calote” tal como foi feito pela Argentina no governo Kirshner. Um outro elemento do discurso populista é a tese de que o Brasil sofre de insuficiência crônica de demanda agregada devido a “maturidade” da nossa economia o que limita as oportunidades lucrativas de investimento por parte do setor privado. Dessa forma, o desenvolvimento da economia brasileira exigiria o aumento permanente do gasto público para manter o “pleno-emprego”. Por fim, o discurso populista estabelece que a desigualdade na distribuição de renda só pode ser resolvida pela ampliação do sistema assistencialista do Estado Brasileiro. 

O novo-desenvolvimentismo rejeita ambos os discursos, colocando-se assim como uma alternativa aos mesmos. No discurso novo-desenvolvimentista, a globalização não é vista como benesse e nem como maldição, mas como um sistema de intensa competição entre os Estados Nacionais, por meio de suas empresas. Para tanto é necessário fortalecer o Estado fiscalmente, administrativamente e politicamente, ao mesmo tempo em que se dão condições para as empresas nacionais serem competitivas a nível internacional. Nesse contexto, para se alcançar o desenvolvimento é essencial aumentar a taxa de investimento, devendo o Estado contribuir para isso por meio de uma poupança pública positiva, fruto da contenção da despesa de custeio. A concentração de renda é vista no discurso novo-desenvolvimentista como nociva ao desenvolvimento, pois, além de injusta, pode criar obstáculos ao desenvolvimento na medida em que serve de “caldo de cultura” para todas as formas de populismo. 

Ao contrário do afirmado por expoentes do discurso neo-liberal, o novo-desenvolvimentismo possui diferenças importantes e irreconciliáveis como o velho-desenvolvimentismo. Essas diferenças se originam, não do oportunismo político, mas  das mudanças observadas no capitalismo mundial, que transitou dos “anos dourados” do pacto social-democrata, das décadas de 1950 e 1960, para a fase de globalização a partir da década de 1970.  Nessa transição verificamos o surgimento dos NIC´s (new industrialized countries), fato esse que aumentou a competição entre os países ricos e os países em desenvolvimento médio. Além disso, os países de desenvolvimento médio, como o Brasil, mudaram seu próprio estágio de desenvolvimento, deixando de se caracterizar pela existência de “indústrias infantes”. Dessa forma, o modelo de desenvolvimento que esses países adotaram na fase inicial de seu processo de industrialização, baseado na “substituição de importações”, se esgotou no início da década de 1980. 

Quais seriam, então, as diferenças entre o “Velho” e o “Novo” desenvolvimentismo?

Em primeiro lugar, ao contrário do velho-desenvolvimentismo, o novo-desenvolvimentismo não é protecionista. Como a fase de “indústria infante” foi superada, as empresas dos paises de renda média devem ser competitivas em todos os setores industriais aos quais se dedicaram, devendo inclusive ser competitivas o suficiente para exportar. 

Além disso, o novo-desenvolvimentismo não padece do “pessimismo exportador” típico do velho-desenvolvimentismo. Dessa forma, a estratégia de desenvolvimento deve estar alicerçada na exportação de produtos manufaturados ou produtos primários de alto valor adicionado como forma de superar a restrição externa ao crescimento. Sendo assim, o crescimento industrial, tipo como indispensável para que os países de renda média completem a transição para os níveis de renda per-capita verificados nos países desenvolvidos, deve ser baseado na “promoção de exportações” ao invés de substituição de importações.

Por fim, o “novo-desenvolvimentismo” rejeita a noção equivocada de crescimento sustentado pelo déficit público. Com efeito, os déficits fiscais devem ser usados apenas em momentos de recessão como instrumento para estimular a demanda agregada. As contas públicas devem ser mantidas equilibradas para garantir a solidez e a força do aparato estatal, o qual é estratégico para o desenvolvimento. Isso significa que dívida pública deve ser pequena (como proporção do PIB) e com longo prazo de maturidade.
Isso posto, os eixos fundamentais da estratégia novo-desenvolvimentista seriam os seguintes: (i) fortalecimento da capacidade competitiva das empresas nacionais a nível mundial e (ii) fortalecimento do Estado como instrumento de ação coletiva da nação. 

O primeiro eixo da estratégia novo-desenvolvimentista exige a adoção de regime cambial que garanta um câmbio competitivo para as empresas nacionais, a existência de  financiamento a custo baixo para o investimento em capital fixo e para o capital de giro das empresas, a existência de infra-estrutura adequada para as necessidades das empresas, principalmente para a exportação, a existência de incentivos para a realização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e, por fim, a qualificação da mão-de-obra tanto a nível geral (educação básica) como técnico.

O segundo eixo da estratégia novo-desenvolvimentista requer o aumento da poupança do setor público por intermédio da contenção do ritmo de crescimento dos gastos de consumo e de custeio, aumento (significativo) do investimento público em infra-estrutura, aumento dos gastos em educação primária e secundária, juntamente com aumento de gastos na formação técnica da força de trabalho para a indústria e setor de serviços, aumento do financiamento público para investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias à nível das empresas e, por fim, o re-aparelhamento das Forças Armadas como forma de garantir os interesses e a soberania do Brasil num contexto internacional caracterizado por uma maior competição política e econômica das nações face a perda relativa de hegemonia dos Estados Unidos.

* Raul Jungman é deputado federal PPS/PE e presidente estadual do partido

José Luis Oreiro é professor de Departamento de Economia da UnB e diretor da Associação Keynesiana Brasileira

Flavio A.C.Basilio é professor do Departamento de Economia da UnB e Membro da Associação Keynesiana Brasileira