Grande como coração de mãe | Raul Jungmann

Grande como coração de mãe

Nem as longas jornadas de trabalho, nem as mensalidades escolares exorbitantes, nem mesmo a violência desenfreada, muito menos os imóveis e padrões estéticos minimalistas como nunca. Nada é capaz de demover algumas mulheres do sonho feliz de construir uma família à moda antiga. Ou seja, com muitos filhos para chamar de seus.

Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publique tabelas demográficas cada vez menos férteis referentes às camadas mais abastadas da população, ainda há quem invista com entusiasmo no projeto de povoar as classes A e B do País. Uma minoria tão abastada quanto convicta da maternagem.

Para se ter uma ideia de como são cada vez mais raras as mães que se permitem exagerar na hora de formar sua família, a última pesquisa sobre fecundidade, natalidade e mortalidade publicada em setembro do ano passado pelo IBGE, revela que o número de filhos por mulher brasileira caiu bruscamente nos últimos anos: de seis, até 1960, para dois, em 2006. “É natural que isso aconteça. Antigamente, criança era uma responsabilidade compartilhada pela família toda. Hoje em dia, nem quintal a gente tem. Muito menos tempo para se dedicar aos filhos direito”, diz a psicóloga – e mãe – Danielle Diniz.

Na época em que os números do IBGE foram divulgados, a supervisora de hospitalidade Íris Aguiar, 30, acalentava a pequena Paula, de apenas sete meses, a caçula de uma patotinha bem numerosa e ramificada, digamos assim. Trocando em miúdos, é assim: Íris casou uma vez e teve dois filhos. Depois, apaixonou-se por Paulo, que já tinha três, saldo de dois casamentos anteriores. E os dois, juntos, decidiram fazer mais uma encomenda à cegonha. Aliás, duas. “Estou no quinto mês de gestação”, diz a moderna mãe, que garante: esse será o derradeiro rebento.

Segundo Íris, apesar da complexa árvore genealógica, a família só fica grande nos fins de semana. “Meu primogênito do primeiro casamento, Yonathan, 10, mora com a avó. Os três de Paulo moram com as mães. Esses quatro só aparecem de vez em quando, aos sábados e domingos. Conosco, moram Yohanna, de sete anos, e Paula, a caçulinha.” É o suficiente para garantir a festa. “Adoro casa cheia”, diz Íris, cheia de motivos para comemorar. A parte ruim? “Encontrar alguém de confiança para dar conta de tanto menino.” Só esse ano, Íris já vai na quarta candidata. “Trabalho o dia todo. Paulo, para completar, viaja muito. Ainda assim, me sinto realizada com minha família.”

A assistente social Fabiana Albuquerque, 43, adotou a estratégia oposta para encher a casa de criança: começou cedo e apostou todas as fichas num pai só. “Casei muito cedo. Aos 19 tive meu primeiro filho e, aos 26, o quarto e último”, diz a mãe coruja, que só se convenceu a ligar as trompas pressionada pela violência e pelas contas a pagar. “Adoro família grande. Tive um irmão só e passei a vida inteira sentindo falta de companhia.” Se não fossem tempos tão bicudos, ela jura que teria uma família maior.

“O mais gostoso é ter sempre um filho por perto”, diz Fabiana, que está casada pela segunda vez, mas se angustia só de pensar na emancipação dos pimpolhos, que urge. “Antigamente é que era bom. As mulheres tinham seis, oito, dez filhos. Em compensação, criavam feito batata. Hoje é psicólogo, curso de inglês, atividade física, dentista, ortodontista…” Haja dinheiro.

E haja felicidade. “Família tem que ser grande mesmo”, decreta a fisioterapeuta Cristiane Cyreno, 35. Mãe de três furacões, um de cinco anos, outro de dois e um de apenas quatro meses, ela confessa que não ligou as trompas e até teria coragem de convocar a cegonha outra vez. Mas só se voltasse para os Estados Unidos. “Morei lá seis anos, quando tive meus dois primeiros filhos. É uma maravilha. O governo ajuda, os salários são bons. Aqui a gente tem que pagar escola, médico, tudo duas vezes: uma para o governo e outra para a iniciativa privada”, queixa-se Cristiane.

Com três irmãos, ela tem uma certeza desde pequena: quanto mais gente para amar por perto, melhor. “Meu marido é filho único. Por melhor que a pessoa seja, sempre fica um ranço de egoísmo.” Outra dica de mãe para aspirante a mãe que Cristiane faz questão de dar é: “Comece cedo. Quanto mais idade, menos disposição para cuidar de criança. A gente vai ficando cada vez mais cansada e sem paciência”.

PLURAL

Para a gerente de vendas Maria da Conceição Oliveira, 32, árvore genealógica também tem que ser frondosa. Pudera. A dela bate recorde. “Minha avó materna teve 13 filhos, minha avó paterna, 11. Lá em casa eram oito irmãos. Mas eu não tive coragem. Optei por ter só três filhos”, conta Ceça, que sempre considerou família sinônimo de diversão. “A melhor coisa do mundo é uma casa repleta de parente.”

Gregária até o talo, ela diz que não desgruda do maridão, Eduardo, e do trio de filhos nem por um decreto nas horas vagas. “A gente faz tudo junto. Passo o fim de semana em festinha de aniversário, parque, cinema…” Porque não basta ser mãe. Tem que exagerar.