Foi-se o tempo em que os afazeres das mulheres se restringiam à casa | Raul Jungmann

Foi-se o tempo em que os afazeres das mulheres se restringiam à casa

Por Letícia Nobre e Victor Martins – Ser mãe no século 21 é sinônimo de multiplicidade. Executivas, donas de casa, servidoras públicas e empresárias fazem malabarismo com o relógio para encaixar todos os compromissos sem abrir mão dos cuidados pessoais e, claro, das compras.

 Depois que deixaram para trás o posto de sexo frágil, o que se vê são mulheres com mais anos de estudos que os homens, divididas entre a carreira, a educação dos filhos e a administração financeira da família.

Avanços significativos que ainda esbarram em desigualdades típicas de nações em crescimento. Pelo menos 53% das brasileiras estão em idade economicamente ativa, mas representam apenas 46% da população ocupada, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os salários também são menores. Em 2009, comparando a média anual dos rendimentos dos dois sexos, o ganho delas (R$ 1.097,93) representou, em média, 72,3% do que eles embolsaram (R$ 1.518,31).

As diversas facetas das mulheres não são novidade. “As mulheres sempre foram múltiplas, a diferença é a ampliação dos papéis: de dona de casa a executiva”, explica Marlene Ortega, presidente do Business Professional Women-SP. “Se muitos diziam que ‘atrás de um grande homem há uma grande mulher’, posso dizer que ela não quer mais ficar nos bastidores, quer visibilidade”, afirma

Por isso, a ala feminina (1)no mercado de trabalho aumentou. Em março de 2002, 7,325 milhões trabalhavam. Passados oito anos, elas somam 9,823 milhões — um salto de 35%. Quanto à qualificação, até 2020, as mulheres terão passado os homens, de acordo com o Business Professional Women. No setor privado formal, 76,4% das contratadas têm mais que 11 anos de estudo, contra 57,9% dos empregados. Como donas do próprio negócio, 15,5% completaram o nível superior; entre eles, só 11,4% estão na mesma condição.

A forma de tratar o trabalho também mudou. A diretora executiva do banco suíço UBS, Fernanda Pasquarelli, 38 anos, é exemplo disso. Ela priorizou a carreira ainda na época da faculdade, quando cursou tecnologia da informação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Os filhos ficaram para depois. “Preferi investir nos estudos e garantir a estabilidade na minha carreira antes de casar e de ter a Laura, 5, e o Lorenzo, de um ano e meio”, conta. Marlene avalia a escolha. “A mulher teve que amadurecer algumas decisões e conquistar seu espaço em casa e na empresa. Além disso, precisou montar um plano, pensar nas estratégias e contar com a adaptação do parceiro à essa realidade”, diz.

Na contramão
Muitas saíram de casa e tantas outras continuam fora da economia: 56,5% estavam desocupadas no ano passado. Uma grande parcela das mães brasileiras, especialmente as de baixa renda, precisam contar com os programas de transferência de renda do governo para garantir o sustento dos filhos. Das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, cerca de 95% são representadas por mulheres. O economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, analisa esse perfil. “Nas famílias pobres, chefiadas por mulheres, as mães engravidam muito cedo e, normalmente, não têm o apoio dos parentes e do companheiro, que as abandonam”, assinala. E completa: “Elas são obrigadas, pela própria situação de gravidez, a abandonar o sistema escolar e depois não conseguem voltar”.

Na visão do economista, sozinhos, os programas sociais não solucionam esse impasse. “Sem creches e sem acesso à capacitação, que poderiam elevar o baixo grau de escolaridade, essas mulheres mantêm um elevado grau de pobreza”, conclui.

Rastros do atraso
Em 2009, de acordo com o IBGE, 10,6 milhões de mulheres formavam a força de trabalho, sendo 9,6 milhões ocupadas e 1,1 milhão desocupadas. Das 64,2% das mulheres empregadas tinham entre 25 e 49 anos e 61,2%, mais de 11 anos de estudo. Entre os homens, os índices eram de 61,5% e 53,2%, respectivamente. Apesar disso, pouco mais de um terço das brasileiras que trabalham no setor privado têm carteira assinada (35,5%).

Presentes salgados
Diante de mulheres cada vez mais independentes financeiramente, os filhos terão que desembolsar mais dinheiro neste ano para presentear suas mães. As flores, os produtos mais vendidos no período, ficaram em 10,77% mais caras em relação ao Dia das Mães do ano passado — o dobro da inflação registrada nos últimos 12 meses.

Para agradar as mães, os brasileiros gastaram, em média, R$ 120 no ano passado, escolhendo um passeio no clube, almoço, flores e uma bolsa de presente. A mesma opção, agora, não sairá por menos de R$ 130,96. Nas contas dos especialistas, o impulso nos custos da data comemorativa está atrelado, principalmente, aos serviços. Idas ao cinema, aos shoppings, a locais de recreação, almoços e lanches pesaram significativamente nos últimos 12 meses, com alta acumulada de 8%. “Serviços são uma variável que sempre pressionam os índices”, avalia o economista Eduardo Otero, da Um Investimento.

O problema, explica ele, é que, quando os preços dos serviços sobem, vários produtos — sobretudo os característicos do Dia das Mães — acabam seguindo na mesa direção. As roupas registraram alta superior à inflação ao longo do último ano. As saias ficaram 11,5% mais caras. Já sapatos e sandálias registraram altas de 8% (veja quadro).

Mês aquecido
Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indica que os lojistas não darão trégua aos que presentearem, merecidamente, as mães. Como a demanda está aquecida, os empresários se sentem mais confortáveis para reajustar as suas tabelas. A entidade contabilizou queda de cinco pontos percentuais no total de consumidores endividados e de 2,9 pontos na quantidade dos que estavam com as contas atrasadas.

O recuo na inadimplência, segundo a economista da CNC Marianne Hanson, foi motivado, entre outras coisas, pela importância da data. Muitos consumidores quitaram as dívidas para garantir um bom presente para as mães. “O percentual de famílias com dívidas caiu devido à ampliação da capacidade de endividamento”, analisa.