Direitos Humanos e Democracia | Raul Jungmann

Direitos Humanos e Democracia

Direitos Humanos e Democracia

Fonte: Blog Acerto de Contas

As propostas alinhavadas no 3º Plano Nacional de Direitos Humanos poderiam e deveriam ser ampliadas, dando continuidade a um projeto que vem do período de FHC, mas tornou-se mais um elemento de frustração com o governo Lula.

De modo atabalhoado, como é característico desse governo, o que se propõe é uma nova configuração institucional, fruto, não de um amplo debate no seio da sociedade, mas do desejo de obscuros grupos que ocupam a estrutura do Estado, muitos oriundos de lutas perdidas em décadas passadas, movidos por uma lógica estatizante e intervencionista que visa tutelar a vida econômica, política e social do país.

 

Revanchismo, sim, agora de “parvenus”.

Da lavra dos conselheiros do governo Lula – que o presidente deve Ter assinado sem ler, mas certamente não desavisado – o projeto traz algumas propostas que chegam a ser estapafúrdias na sua aversão à democracia como, por exemplo, a idéia de criação de conselhos populares para controlar a liberdade de expressão e a subtração do poder dos juízes nos julgamentos dos litígios de propriedades invadidas ou ocupadas, subordinando-os a decisão de “audiências populares”.

Por outro lado, se fosse verdadeiro o intuito de apurar crimes, por que até hoje o governo Lula reluta em abrir os “arquivos militares”?
Todos nós sabemos que isto poderia vir de um simples decreto presidencial, disponibilizando a referida documentação.

Sobre a anistia, desconhece-se um fato importantíssimo, que torna única nossa experiência no continente, ao contrário do que aconteceu no Chile, Argentina e Uruguai, onde a anistia foi uma farsa já que autoconcedida pelos militares ainda no poder.

Da a justa exigência de revisão. No Brasil, aconteceu uma primeira lei de Anistia em 1979, no governo Figueiredo, mas se tornou ampla, geral e irrestrita pelo voto livre dos constituintes brasileiros na Constituição de 1988.

Esse PNDH 3 até que tem aspectos que mereceriam ser discutidos e defendidos, mas, infelizmente, pela forma voluntarista com que foi elaborado e apresentado, pelas extravagâncias antidemocráticas da velha e recorrente tese da dualidade de poder dos conselhos, acaba por servir a determinados setores de direita e conservadoras instituições da sociedade, que com isso ganham um amplo leque de manobra para impedir avanços e até mesmo impor retrocessos à causa dos direitos humanos.

O resultado, enfim, é que o decreto confunde, abriga incoerências e tem uma amplitude desmedida ao se submeter a agendas de grupos organizados e suas teses temáticas, algumas muito polemicas,  tal como aquelas dos movimentos contra os transgênicos. Os direitos humanos devem ter caráter universal e nunca enfatizar a aprovação de leis polemicas no conjunto da sociedade, embora afirme a justeza da sua discussão. Nunca agasalhar posições que trazem ameaças a independência dos poderes como restringir as medidas cautelares do judiciário, fato extremamente grave para o pleno funcionamento da própria democracia..

O governo continua devendo ao país a “verdade” – uma Comissão da Verdade deveria ser consequência -, cujo primeiro passo seria abrir plena e totalmente os arquivos do regime militar. Temos que perguntar ao Presidente Lula, por que isto não acontece, se um simples Decreto do Executivo bastaria para levantar o sigilo dos documentos desse trágico período de colapso democrático? .

Um post-scriptum integrante do artigo: Já tinha escrito este texto, quando o Presidente Lula submeteu-se as pressões dos militares e recuou, de forma desastrada, na questão da verdade sobre a repressão política, aceitando trocar tal disposição pela ambígua e perigosa expressão da verdade nos conflitos políticos ocorridos no país como se todos os envolvidos nesses conflitos fossem iguais.

Primeiro, não deveria render-se as pressões dos comandantes militares e do Ministro da Defesa, ou pensasse nos termos do Decreto, antes de assiná-lo Segundo, de forma alguma poderia aceitar igualar, como fez no novo e revisado Decreto, os que combateram a ditadura aos que torturaram e assassinaram em seu nome, conforme absurda exigência dos comandantes militares. Enfim, escrevi o artigo, antes do triste e lastimável recuo do Presidente da República.

Roberto Freire é Presidente Nacional do PPS