Brasil pode liderar independência do petróleo | Raul Jungmann

Brasil pode liderar independência do petróleo

Extraímos petróleo, geramos resíduos nucleares, consumimos bens e serviços que em todo seu ciclo de vida trazem grandes impactos irreversíveis aos ecossistemas, sem nos darmos conta de que a conta não será inteiramente paga por aqueles que os consomem: nós mesmos. Isto requer redirecionar toda a nossa economia de modo que possamos criar instrumentos que permitam incorporar aos preços dos bens e serviços todos os seus reais custos.

Nessas duas últimas semanas, o mundo está assistindo ao importante deslocamento da mancha de petróleo causada pelo vazamento de um poço da empresa britânica British Petroleum, no Golfo do México. De acordo com as informações divulgadas na imprensa, o problema teria sido causado por um acidente em uma das válvulas, há 3.965 metros de profundidade, sem que até o momento tenha se obtido sucesso na tentativa de impedir o vazamento. Talvez apenas o ocorrido em 1989, no Alaska, quando houve o acidente do Exxon Valdez, seja comparável a uma tragédia de igual envergadura em termos do impacto nos ecossistemas marinhos afetados. Apenas após esse acidente os EUA passam a repensar a idéia de explorar plataformas de petróleo na costa daquele país, com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo extraído dos países árabes.

Impossível deixar de se pensar no pré-sal diante desse acidente. Em outras palavras, a questão dos riscos associados a grandes empreendimentos merece uma discussão política, ou seja, quem decide em nome de quem. Explico: a idéia de que a tecnologia disponível é capaz de mitigar os riscos, reduzindo os seus impactos, deve ser totalmente repensada em vários aspectos. O mais importante, a meu ver, diz respeito à real questão da sustentabilidade, isto é, até que ponto podemos assumir riscos que afetam o direito das futuras gerações ou mesmo que irão trazer ônus àqueles que viverão intensamente os danos causados por acidentes de grande repercussão.

Extraímos petróleo, geramos resíduos nucleares, consumimos bens e serviços que em todo seu ciclo de vida trazem grandes impactos irreversíveis aos ecossistemas, sem nos darmos conta de que a conta não será inteiramente paga por aqueles que os consomem: nós mesmos. Isto requer redirecionar toda a nossa economia de modo que possamos, nos próximos anos, criar instrumentos que permitam, no campo do consumo, incorporar aos preços dos bens e serviços todos os seus reais custos, inclusive os riscos intrínsecos a certas atividades econômicas, a exemplo da prospecção do petróleo, uso intenso de recursos naturais como água e terra, enfim, compreender que não podemos continuar a “viver perigosamente” como se não tivéssemos compromissos em manter os processos ecológicos essenciais que asseguram a longo prazo a “economia” lato sensu.

No caso do Exxon Valdez, o acidente gerou a obrigação de que navios passassem a ter casco duplo, evitando-se, assim, que, em caso de acidentes, o petróleo se espalhasse com facilidade sobre o meio ambiente.

E agora, o que se pode fazer para evitar acidentes em plataformas de petróleo? Quem vai pagar essa conta, cuja avaliação nos ecossistemas é difícil de se avaliar, inclusive no que tange à redução de atividades em curso, como a da pesca que é praticada em alguns estados americanos há décadas?

Voltando ao Brasil, que medidas deverão ser exigidas no caso do pré-sal, cuja exploração far-se-á a uma profundidade muito maior do que a que ocorre no Golfo do México?

Mais uma vez insisto na necessidade de se ampliar o debate no Brasil e no mundo sobre os custos de um consumo que se faz hoje lançando a conta para as futuras gerações. Belo Monte, Jirau e Santo Antônio se justificam pelo crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Pouca atenção tem sido dada à necessidade de se repensar a ponta do consumo, ou seja, diminuir a intensidade de energia por unidade do PIB, através de uma revolução tecnológica que permita que não seja necessário se continuar a aumentar a oferta de energia às custas de ecossistemas e do que eles representam em termos de serviços ambientais.

O Brasil possui condições de exercer uma liderança nesse processo, mas, para tanto, precisa encarar o seu papel como protagonista dessa revolução tecnológica e não apenas como mero provedor de recursos naturais sob a modalidade de insumos energéticos ou mesmo de terra e água.

Este é o desafio que se coloca para a sociedade brasileira nos próximos anos.

*Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.