Fabrícia Peixoto
Da BBC Brasil em Brasília
Após quinze meses de discussões, será apresentada nesta quinta-feira, em Brasília, a Estratégia Nacional de Defesa – considerada pelo governo, militares e especialistas como a principal reforma já apresentada para a Defesa brasileira.
O documento, ao qual a BBC Brasil teve acesso, tem cerca de 100 páginas e estabelece uma série de diretrizes para a Defesa do país, além de sugerir “tarefas”, a serem desempenhas por diversos ministérios até o final de 2010.
De acordo com um general do Exército, o plano foi bem recebido pelos militares. No entanto, alguns pontos foram considerados “bastante ambiciosos”, segundo um oficial ouvido pela BBC Brasil na condição de anonimato.
Um dos pontos mais audaciosos do projeto, segundo especialistas, diz respeito ao serviço militar. De acordo com a proposta, o recrutamento obrigatório seria não apenas mantido, mas também reforçado.
A sugestão contida no documento é de que os jovens dispensados do serviço militar sejam incentivados a prestar um serviço civil, como ações de cunho social, “de preferência em região do País diferente da região das quais se originam”. O documento, no entanto, não detalha como a proposta poderia ser implementada.
Primazia civil
Em entrevista à BBC Brasil, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, apontou a “primazia da liderança civil sobre as lideranças armadas” como uma das principais características do projeto.
“Antes os militares pediam equipamentos e o governo dava um pouquinho, da lista de Papai Noel, para satisfazê-los e acalmá-los. Agora são os civis que propõem uma reorganização radical das Forças Armadas. Isso é uma coisa inteiramente nova no Brasil”, diz.
Mangabeira nega, porém, que a medida vá diminuir o poder dos militares. Ele diz que o plano reduz a autonomia das três forças, mas que, do ponto de vista da doutrina militar, “a unidade não é um constrangimento, mas sim uma oportunidade”.
O professor Thomaz Guedes da Costa, da Universidade Nacional de Defesa (NDU), em Washington, também aponta a relação entre civis e militares como uma das características mais importantes da Estratégia.
“É a primeira vez que vejo uma manifestação da Presidência, no Brasil, chamando para si a responsabilidade pela Defesa do país”, diz.
Segundo ele, essa experiência – de definir os critérios e as preferências no setor – sempre ficou nas mãos dos militares no Brasil.
“Em qualquer país, seja em democracias ou ditaduras, em última instância quem comanda a área militar é quem comanda a política”, diz.
Para o professor, resta saber agora quanto a sociedade brasileira está disposta a investir, do ponto de vista de recursos financeiros, para implementar essas idéias.
Primeiro passo
Mangabeira disse que a Estratégia Nacional de Defesa apenas inaugura um longo processo de debates. “É uma proposta de mudança radical, mas esse é apenas o primeiro passo. Agora vem uma grande tarefa pedagógica, que envolve a conscientização do país, um trabalho de esclarecimento e de persuasão”, diz.
O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar da Defesa Nacional, diz que o projeto é “oportuno”, mas que por sua amplitude deveria ser submetido ao Congresso.
“Um plano como esse precisa passar pelo Legislativo. Não apenas porque prevê mudanças em algumas leis, mas também para ter respaldo e ampliarmos o debate”, diz.
Na avaliação do deputado, com a divulgação do plano, a incógnita agora passa a ser a fonte dos recursos. Segundo ele, a Defesa tem hoje o terceiro maior orçamento do país, atrás apenas da Previdência e da Saúde.
No entanto, do total destinado ao setor, 76% é usado para pagamento de pessoal. E desse montante, 75% vão para os inativos. “Por esses e outros motivos é que passamos da hora de atualizarmos o projeto de Defesa do país”, diz Jungmann.
Energia Nuclear
Uma das polêmicas durante a discussão sobre o plano, a questão nuclear foi incluída no texto final, contrariando um pedido do Ministério das Relações Exteriores. Segundo o documento, “não é independente quem não tem o domínio das tecnologias sensíveis, tanto para a defesa como para o desenvolvimento”.
O plano diz ainda que o Brasil tem compromisso com o uso estritamente pacífico da energia nuclear, mas que o país precisa “garantir o equilíbrio e a versatilidade da sua matriz energética. Segundo o texto, áreas como a agricultura e a saúde “podem se beneficiar desse tipo de energia”. Um dos projetos já em andamento prevê a construção de um submarino brasileiro movido a propulsão nuclear.
Diretrizes
O documento, que será apresentado às 15h30 em cerimônia no Palácio do Planalto, foi elaborado pelo Comitê Ministerial de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa, coordenado por Mangabeira e presidido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim.
A Estratégia foi dividida em três principais vertentes. A primeira delas trata da reorganização das Forças Armadas, que passariam a trabalhar de forma unificada.
A segunda vertente se refere à reformulação da indústria nacional de defesa, baseada na “independência tecnológica”. O plano propõe, por exemplo, um regime legal e tributário especial para as empresas do setor.
Em contrapartida, o Estado ganharia poderes especiais sobre essas empresas, seja por meio de sociedade ou via licenciamento público.
Pela proposta do governo, a compra de tecnologias estrangeiras, em áreas estratégicas, estará sempre condicionada à transferência tecnológica. “Não seremos apenas clientes ou compradores. Seremos parceiros”, diz Mangabeira.
Já terceira vertente trata da composição das Forças Armadas. O princípio, segundo o documento, é de que o recrutamento atinja todas as classes sociais do país, “e não apenas a contratação dos pobres”.