Operação Satiagraha | Raul Jungmann

Operação Satiagraha

O JUIZ DE SANCTIS EM SEU LABIRINTO

A Época desta semana traz uma entrevista com o juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada na investigação de crimes financeiros, responsável pela operação Satiagraha.

Em duas perguntas, o repórter refere-se à ação administrativa que movi  contra ele no CNJ, referente ao emprego da chamada “senha universal” (explico abaixo). Na primeira das questões, De Sanctis tergiversa e acusa a CPI de ter lhe mandado um ofício mal educado, que desconheço e cujo teor não fica claro na resposta.

Na segunda questão, transcrita abaixo, sua resposta é direta e eu a comento adiante.

Época – Mas  e o teor da representação no CNJ? Segundo o deputado Jungmann o senhor distribui indiscriminadamente senhas de identificação telefônica?

De Sanctis – As senhas são pessoais, intransferíveis e específicas da operação que estiver em curso. Elas permitem que a autoridade policial, ou o agente por ela indicado, tenha acesso aos dados cadastrais daquele que ligou para o investigado, mas apenas no caso de conversas com teor suspeito (grifo meu). Todo acesso é registrado, ou no computador ou mediante gravação telefônica (idem). Quem fizer uso abusivo pode ser facilmente identificado. A senha nada tem a ver com a interceptação telefônica (escutas).

Comento – As ditas “senhas universais” são uma autorização judicial para que as operadoras, por via remota,  dêem à “autoridade judicial ou o agente por ela indicado (sic)”,  acesso  irrestrito ao histórico de chamadas – data, hora, duração etc -, mais nome e dados cadastrais do usuário de TODAS as linhas  da telefonia fixa e móvel, ou seja,  de mais de 100 milhões de brasileiros.  O que fere frontalmente o artigo 5º, inciso XII da Constituição: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.  Mas, tranquiliza o juiz De Sanctis, só terão o seu sigilo cadastral  quebrado os que tiverem “conversas de teor suspeito”com o investigado!

Imaginemos o seguinte: o leitor, eu ou alguém tem um amigo sendo grampeado (coisa muito possível de acontecer, hoje em dia). Daí que você liga para o amigo, com o qual nada de criminoso ou ilegal tem a ver e, cândidamente, comenta o resultado do jogo de domingo “levamos três, mas na próxima vamos ‘entregar` em dobro a vocês”. Pronto! Diálogo suspeitíssimo, não? Levaram três e vão entregar o dobro. Seis o que?! Papelotes de cocaína? Milhares de dólares? Subornos?

A autoridade policial, ou seu agente (quem será ele?), a partir da sua própria interpretação de que se trata de um diálogo suspeito, utiliza a “franquia automática” – a senha já concedida com base na autorização prévia do dr. De Sanctis -, para obter todos os seus, os meus e os nossos dados cadastrais. E, claro, dos nossos dados a outros mais, erguendo assim e em tese, uma árvore cadastral sob cuja frondosa copa caberão todos os 100 milhões de usuários de telefones existentes!

Na entrevista o juiz de Sanctis não nega essa possibilidade, ao contrário, ele a reafirma, assegurando existirem controles suficientes sobre o procedimento. Ele não faz qualquer referência ao fato que as operadoras lhe enviaram, meses atrás, ofício informando não contar com pessoal suficiente para acompanhar e supervisionar o emprego das ditas senhas. O que quer dizer que o controle das mesmas é ficção. Outra coisa, ao final da sua resposta diz ele que a senha nada tem a ver com escutas telefônicas. Mas, anteriormente (segundo grifo meu), afirmara que todo acesso é registrado no computador – o que em tese, possibilitaria uma auditoria ex-post. O problema é que a escuta continuada, anos a fio, gera milhares de horas de escuta. E quem fará a escuta da escuta, ou seja, o seu controle? E que, além do registro no computador, há também a possibilidade de registro “mediante gravação telefônica”…

O que soa estranho, já que ele negara a possibilidade de escutas a partir das senhas.

Quando da ida do juiz De Sanctis à CPI das escutas telefônicas, o inquiri sobre o assunto e a constitucionalidade das tais senhas universais. Ele respondeu-me que, sem elas, teria que a todo momento estar autorizando quebras de “sigilo cadastrais”, o que retardaria a investigação. Respondi-lhe que as senhas eram flagrantemente inconstitucionais, pois conferiam à autoridade policial o poder de quebrar sigilos de dados, sem a necessária autorização judicial, que é concedida caso a caso. Disse-lhe ainda, que a atual lei das escutas telefônicas não autoriza, em nenhum dos seus artigos, assim proceder.

Na entrevista, De Sanctis mantém o seu ponto de vista, e, aqui, eu o meu. Para mim, as senhas são inconstitucionais e o crime, quando combatido com delitos e desrespeito a lei, favorece a impunidade e os criminosos.

Cabe ao CNJ decidir quem tem razão.

PS – E você, caro leitor, o que acha?