INCRA: predador número um? | Raul Jungmann

INCRA: predador número um?

Nem bem saiu o índice de desmatamento de agosto, relativamente a julho de 2008, 134% a mais, e o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, escalou o mais novo (?) vilão do desmatamento da Amazônia: o INCRA.

Como ex-presidente do Ibama, ex-presidente do Incra e titular do Ministério da Reforma Agrária durante seis anos, conheço um pouco do assunto e já vivi o contencioso dos dois lados do balcão. Em síntese, eis o que penso do assunto:

– Antes mesmo de fazer Reforma Agrária e durante décadas do regime militar, o Incra dedicou-se à colonização do Centro-Oeste e Norte brasileiros, assentando nessas regiões os fluxos migratórios dos agricultores sem terra ao Sul e retirantes das secas nordestinas. Grande parte dos municípios de Rondônia, Acre, Pará e Mato Grosso são provenientes de agrovilas formadas a partir de projetos de colonização em plena floresta.

– Com o retorno à Democracia e o incremento da Reforma Agrária, o fluxo migratório sobre a região continuou, somado às migrações internas, e os conflitos se multiplicaram, tendo a posse da terra por principal objeto de disputa. Assim, ano após ano, as estatísticas de assentamentos, em média de 50% a 60%, estão localizadas naquelas regiões, como forma de “esfriar” as tensões. Em contrapartida, gerando uma enorme e difusa pressão sobre a mata e instransponíveis problemas de acesso, prestação de serviços e sustentabilidade dos assentados, haja vista a precária ou inexistente infra-estrutura.

– Durante décadas, o PT, CPT e MST criticaram esses assentamentos na Amazônia legal e em seu entorno. Diziam que as terras boas, com mercado e infra-estrutura, ficavam no Sul e Sudeste e na Zona da Mata nordestina. E que governos de “direita”, associados ao latifúndio, ao tempo que deixavam as terras “boas” nas mãos dos latifundiários e do agronegócio, erguiam assentamentos precários ao Norte e Centro-Oeste do país. Criticavam, mas jamais deixaram de pressionar pelas terras de lá.

E continuam pressionando. Tanto que as estatísticas do Incra exibem, no atual governo, a mesma distribuição regional de assentamentos e assentados dos governos ditos “de direita”…- É que o centro emissor dos posseiros e, depois, dos assentados da Amazônia, não foi desativado e encontra-se na penetração do agronegócio e de suas relações dinâmicas no campo, desestruturando nossa ancilar agricultura familiar no Sul e Sudeste – mas também na mata nordestina. Nessas regiões, há um desequilíbrio entre oferta de agricultores e terra disponível, gerando a “expulsão” dos primeiros. E, salvo uma mudança nos índices de produtividade da terra, sempre prometida e jamais realizada pelo governo do PT, não há como efetuar o “casamento” entre braços disponíveis e áreas livres. Restam, aos sem terra e agricultores familiares em processo de desestruturação, dois caminhos: migrar para as cidades ou marchar rumo ao chamado “arco do desmatamento”, que vai de Rondônia (a oeste), até o Pará (ao norte), passando por Mato Grosso – não por acaso, os estados recordistas na derrubada da floresta. 

– Portanto, Reforma Agrária e INCRA são, sim, vilões do desmatamento na Amazônia, e ao ministro Minc cabe razão na polêmica. Mas, se é verdade que os posseiros/assentados limpam (desmatam) a terra e erguem uma casinha aonde quer que encontrem um pedaço de chão, verdade também é que boa parte deles se associa à economia predominante na região, a madeireira, “caçando” madeiras comercializáveis para gerar renda, complementar ou única. Mas, que alternativas têm eles – assentados, Reforma Agrária e Incra? Se a pressão que se dá sobre a região, e cujo centro emissor, a milhares de quilômetros, não for estancada; se a posse precária da terra na Amazônia é, cedo ou tarde, móvel de um conflito social e humano que pode descambar numa chacina? Pode o Incra recusar-se a implantar a Reforma Agrária naquela região? E, se não o fizer, qual a alternativa? Construir uma muralha de Rondônia ao Pará? Mexer nos índices de produtividade do Sul e Sudeste, desarranjando nosso lucrativo agronegócio? Injetar bilhões de reais na Reforma Agrária, para que ela seja sustentável? De onde esses recursos viriam? E o “efeito atração” que uma Reforma Agrária rica no Norte e Centro-Oeste teria sobre milhões de sem terra e agricultores pobres?

– A questão agrária brasileira, ainda que de importância restrita e decrescente, não tem solução local, mais sim global e integrada. Num país que se aproxima dos 200 milhões de habitantes, com imensas desigualdades regionais e de renda e uma população rural da ordem de 18% – sem contar as pequenas e micro cidades de dinâmica eminentemente rural – o contencioso Reforma Agrária versus Meio Ambiente não se resolverá com denúncias e rankings de desmatadores.- Um bom começo seria aplicar parte dos recursos do Fundo para a Amazônia, que acaba de receber uma doação de um bilhão de reais da Noruega, no desenvolvimento da produção e comercialização de produtos ecologicamente recomendáveis nos assentamentos da região. E também, no desenvolvimento da certificação da produção e no mercado sustentável de madeiras.

– Um bom começo seria aplicar parte dos recursos do Fundo para a Amazônia, que acaba de receber uma doação de um bilhão de reais da Noruega, no desenvolvimento da produção e comercialização de produtos ecologicamente recomendáveis nos assentamentos da região. E também, no desenvolvimento da certificação da produção e no mercado sustentável de madeiras.