É proibido ser político, pobre e honesto? | Raul Jungmann

É proibido ser político, pobre e honesto?

Nesta semana, o deputado federal, Raul Jungmann (PPS), recebeu uma chuva de críticas porque sua declaração de patrimônio apontou uma renda modesta de dezessete mil reais entre 2009 e 2010.

Alguns eleitores, desconfiados do valor, afirmaram ser impossível um político experiente ter tão pouco dinheiro; outros, mais ousados, foram mais longe, insinuaram que o deputado estava escondendo seu verdadeiro patrimônio nas tocas de laranjas ou nas relvas da sonegação.

O deputado ficou indignado e passou o dia inteiro se defendendo no twitter, e fez mais: expos, em seu site, suas declarações de renda dos últimos dez anos. Em 2000, o deputado tinha duzentos mil reais de patrimônio, em 2010, dezessete mil. Os desconfiados podem acusá-lo de perdulário, mas de falta de transparência, não; os documentos foram expostos publicamente e estão à disposição de qualquer questionamento ou averiguação arguta.

Não quero aqui fazer o papel de advogado do deputado, mas observo algo que chama a atenção no fato: as pessoas, em relação a um político, espantam-se com um patrimônio modesto e acham natural uma renda robusta. Se dissermos que esses eleitores são incautos, teremos alguma razão, mas não daremos a devida atenção a algo que merece reflexão: os cidadãos internalizaram a idéia de política como meio de enriquecimento.

Partindo do pressuposto de que a política é uma atividade que visa o bem comum, oxigena a sociedade e sustenta a democracia, concluiremos que é perigosa essa percepção de que a política é ponte para enriquecimento pessoal. Se as pessoas continuarem a ignorar e ver a política como algo abjeto, certamente, estarão dispostas a abraçar uma aventura tirânica tanto em um status quo de adversidade ou de satisfação.

A idéia liberal de que todos são iguais perante a lei, ainda é uma quimera no Brasil. Embora tenhamos obtido avanços no sistema judiciário, ainda assistimos “colarinhos brancos” escapando da cadeia pelas frestas – desvendadas por advogados caros – da lei. A frivolidade das leis também favorece os assassinos sanguinários que escapam de punições, muitas vezes, sob os auspícios dos “direitos humanos”, e, a sociedade política, que deveria combater esse estado de impunidade, está repleta de homens vis que, contando com a conivência de seus pares, também não são punidos. A população brasileira não sabe se vive em um Estado de direito ou em um Estado de impunidade.

Para piorar, todo ano a população vê a classe política conseguir aumentos salariais – pouco explicados -, enquanto o Estado sofre para dar um pequeno aumento aos aposentados ou salário digno aos professores. Os pobres, ainda com poucas possibilidades de ascensão social no Brasil, a classe média que sofre para se manter e os ricos mais antenados e generosos com a realidade do povo, vendo esse panteão de iniqüidades, concluem o óbvio: política é uma máquina de enriquecer pilantras.

É óbvio que estas percepções são eivadas de generalizações e imprecisões – a própria imprensa quando divulga corrupção, geralmente, generaliza. As pessoas não costumam analisar os fatos políticos com cautela e nem mesmo se responsabilizar por eles, tendo em vista que são os cidadãos que elegem os políticos e que na sociedade civil há tanta corrupção quanto há na sociedade política, no entanto, cabe a segunda, de maneira institucional, neutralizar a corrupção: a expectativa é da primeira e a solução recai sob a segunda; entenderam? Portanto, a percepção popular em questão, embora generalista, está dada e, a partir dela, os políticos – e setores da sociedade civil – devem se articular e buscar saídas que minimizem a impunidade.

O caso Raul Jungmann é categórico. A percepção de que política é um meio de ganhar dinheiro fácil levou alguns cidadãos a verem o deputado com desconfiança ou como uma aberração. Pensaram: como um político que está há anos na política tem tão pouco dinheiro? Diante das fortunas inexplicáveis e das pizzas indigeríveis, esse tipo de impressão tende a se naturalizar e aumentar ainda mais o fosso que existe entre os cidadãos e a política, esta, por conseqüência, poderá fenecer e, em fenecendo, a democracia fenecerá.

André Henrique é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Araraquara.

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