Diário de viagem XVII – KATARI, LA REBELIÓN. EVO, LA REVOLUCIÓN | Raul Jungmann

Diário de viagem XVII – KATARI, LA REBELIÓN. EVO, LA REVOLUCIÓN

“Andar despacito, comer poquito, dormir solito”. São as recomendações ouvidas assim que se chega a La Paz, em tom entre o sério e o zombeteiro. Além do conselho de ingerir chá de coca em grandes quantidades.

Lembro-me bem que nada disso funcionou na minha primeira estada por lá. De noite, no quarto do hotel, passei muito mal. Sufocava ao deitar. De pé, fazia esforços nervosos para respirar. Naquela noite soube como deve se sentir um asmático, desesperado, procurando aspirar algo que não dá conta de encher os seus pulmões.

Dessa vez não sofri tanto. Mas, ao lado da cama, ao alcance da mão, um tubo de oxigênio para qualquer emergência, outro no banheiro, mais um na sala de baixo. E uma boa “dose” antes de dormir!

Nosso último dia de trabalho amanheceu frio e luminoso, com o sol entrando em camadas por sobre as cobertas da cama.

Reunidos, fomos uma vez mais para o palácio Quemado. Nosso anfitrião seria o Secretário da Presidência, auxiliar direto do Presidente Evo Morales, Juan Ramón Quintana, militar reformado, que naquele momento encontrava-se sob pressão por conta de denúncias de corrupção. 

Com atraso de 20 minutos, Ramón Quintana nos recebeu em sua sala, numa mesa de reuniões atulhada de papéis, sob  o olhar de Evo num cartaz colorido aonde se lia “Katari, la rebelión. Evo, la revolución”.

O Secretário iniciou dizendo da satisfação de perceber o interesse brasileiro pela Bolívia. Para, em seguida, ressaltar a importância dos financiamentos para a ampliação da malha rodoviária boliviana.

Àquela altura fiz a minha primeira pergunta, sobre o teste anual da AIDS para os estudantes brasileiros residentes em Cochabamba. Quintana disse, em resposta, desconhecer o assunto. E que discordava, não achava razoável e que tomaria providências. Foi mais longe. Considerava que, a seu juízo, as exigências sanitárias dos órgãos bolivianos eram discriminatórias.

Perguntado pelo embaixador Fred Araújo sobre a posição da Bolívia em relação ao processo de auditoria da dívida externa, afirmou que seu país caminhava em direção contrária ao da ALBA, de realizar auditoria da dívida. E que, na reunião realizada em Quito sobre o tema, foram ong’s – CEDLA – e não o governo a tomar posição sobre o tema.

Sobre as hidrelétricas do Madeira, uma novidade que vai dar muita dor de cabeça à nossa diplomacia. Ramón Quintana nos informou que o governo boliviano contratou uma empresa canadense para realizar um estudo de impacto ambiental. E que o governo do Presidente Evo encontra-se sob forte pressão das ong’s locais e internacionais, contrárias ao projeto.

Quanto aos problemas de contrabando de drogas, terras pertencentes a brasileiros e outros temas da agenda bilateral, respondeu a tudo, porém nada acrescentou de novo ao que já ouvíramos anteriormente.

Vestido informalmente, pois estivera naquela tarde com o presidente em um departamento na fronteira, Ramon Quintana nos guiou até a saída da sua antesala, aonde nos  esclareceu de quem eram os retratos que decoravam as paredes.

Já no corredor, descobrimos que os elevadores não estavam em funcionamento, por razões de segurança. Evo Morales, em pessoa, conduzia, no centro do saguão, no térreo, uma cerimônia aonde predominavam campesinos do Altiplano.

O jeito foi descermos pelas escadas, a cada lance mais próximos do presidente e dos seus convidados.

Já na rua, o frio voltara a subir. Idem o nosso cansaço naqueles dias corridos entre aeroportos, muitas audiências e pouco oxigênio…

A seguir – Diário de viagem XVIII: “Melhor um acordo que uma guerra civil”