DIÁRIO DE VIAGEM VIII – Enfim, “brasiguaios” | Raul Jungmann

DIÁRIO DE VIAGEM VIII – Enfim, “brasiguaios”

A embaixada brasileira em Assunção é ampla, bem conservada e possui um teatro com mais de 250 lugares e que leva o nome de Maestro Antonio Carlos Jobim. Segundo o nosso eficiente embaixador Eduardo Santos, a sala é uma das melhores e mais requisitadas da capital e serve aos propósitos de promoção e intercâmbio cultural entre os dois países. 

Lá, nos aguardavam entre 50 a 60 brasileiros que vivem no Paraguai, a maioria homens, entre agricultores, estudantes, empresários e profissionais liberais. 

Enquanto ficávamos no palco, sob as luzes cênicas, nossos interlocutores, na platéia, flutuavam numa penumbra que dificultava-nos ver suas faces, ainda que os ouvíssemos bem. 

Feita a nossa “overture” de praxe, a cabo do Presidente Gadelha, passamos a ouvir nossos convidados e suas condições de vida, razão última da nossa viagem até ali. 

Como “persona ou fala coletiva”, as atenções concentraram-se nos seguintes pontos: 

  • Terras & segurança

“os maiores problemas estão em San Pedro e próximo a Ciudad del Leste”
“as invasões de terras vem se sucedendo há 9 anos, sem providências concretas”(Itapuá)
“ele, Lugo, promete mas não cumpre”
“com polícia não dá (para fazer reintegração de posse). Só com dinheiro na frente”
“não temos segurança”
“a qualquer momento pode ocorrer uma tragédia…”
“vendi minha propriedade para cortar pressão”
“não existe segurança política, nem policial, nem de Estado”
“tem caso de ordem de reintegração de posse descumprida por ordem presidencial”
“devíamos trazer a Embrapa para cá”
“quem tocou fogo nesse país foi o Lugo com o Chávez”
“1.5 milhões de hectares de terras destinadas à reforma agrária estão abandonados” 

  • Brasileiros & paraguaios 

“os governos não educaram os agricultores paraguaios”
“tamos dando calmante…”
“nós tamos  detestados aqui!”
“eles, o governo, não quer saber de brasileiro”
“paguem o dinheiro que investimos e voltamos para o Brasil”
“eles, os paraguaios, são contra a plantação de soja”
“os campesinos paraguaios não sabem plantar”
“simularam um assalto para inviabilizar o prefeito brasiguaio de San Alberto”
“os paraguaios trabalham fora. Aqui dentro, não”
“Brasil não cumpre acordos com o Paraguai”
“o Paraguai foi tranqüilo até que chegou Evo e tomou as refinarias e deu o exemplo”
“em 2009, com a crise, a coisa vai piorar”
“o Brasil tem que ser generoso na questão de Itaipu”
“eles ensinam nas escolas, às crianças deles, que o Brasil tomou tudo ao Paraguai”
“o chavismo é um perigo por aqui!”
“se o Brasil ganha do futebol para eles, é péssimo pra nós” 

  • Maconha & drogas

“o Paraguai produz 15% da maconha do mundo”
“50% da maconha produzida se concentra em San Pedro”
“eles querem assentamento para tráfico de drogas”
“há 25 anos atrás lá (Amambay) era só maconha”
“culpados pela marijuana são os pecuaristas. Eles vão invadindo e plantando maconha”
“queimamos 23 toneladas de maconha”
“além de San Pedro, também tem muita maconha em Canindeyú” 

Temas outros foram tratados pelos brasileiros presentes. Desde problemas consulares e com a Receita Federal, até questões referentes a duplo CPF e transporte de cargas. Os assuntos principais, porém, foram os que vão acima: terras, relações com os paraguaios e maconha. A ligar esses três temas, um sentimento de insegurança e apreensão. Sob controle, sem dúvida, mas crescente. 

O momento de maior emoção se deu quando um agricultor de San Pedro, Almery Francisco, que sofre pressão constante de sem terras, caiu num choro descontrolado. 

Em resposta, o embaixador Eduardo Santos listou as copiosas ações da embaixada para proteger os direitos e cidadãos brasileiros. No que foi seguido pelo nosso cônsul geral no Paraguai. 

Todos nós falamos também – Marcondes, Décio, Cajado e eu – e nos comprometemos a levar ao Congresso Nacional e ao ministro Celso Amorim o que ouvíramos ali (e além). 

Cansados após quase três horas de reunião, dirigimo-nos à residência do embaixador Eduardo Santos, aonde teríamos em seguida o jantar de despedida. 

No caminho fui remoendo pedaços, frases, gestos, conflitos e expressões da prolongada cena coletiva que acabáramos de assistir e participar. Saímos, como se diz, “pesados”, não resta dúvida, nem poderia ser diferente. Porque, ainda que ali não tivéssemos uma amostra perfeita da comunidade brasileira que vivia por lá, e que, talvez, vozes e falas outras dos ausentes, que se estivessem presentes poderiam modificar o balanço final, aquele era um grupo preocupado, na defensiva, óbvio.  

Já chegando à casa do embaixador, tive a certeza que aquela nossa missão quase “clandestina”, tinha valido a pena. Desde que dela déssemos conhecimento o mais amplo possível e que cumpríssemos o prometido.

A seguir: DIÁRIO DE VIAGEM IX, 1ª parte – O Paraguai em seu labirinto