DIÁRIO DE VIAGEM VII – “Eu sou você… ontem” | Raul Jungmann

DIÁRIO DE VIAGEM VII – “Eu sou você… ontem”

Foi com uma ponta de curiosidade pessoal que fui ao nosso derradeiro encontro com autoridades paraguaias, pouco antes do almoço, naquela sexta feira quente e abafada de Assunção. Dentro de instantes, iríamos conversar com Alberto Alderete, presidente do INDERT – Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra. Afinal, durante seis longos e árduos anos lidei com o tema da reforma agrária, como presidente do INCRA e Ministro do Desenvolvimento Agrário. 

Antes de iniciar a reunião, como fizera em todos os encontros anteriores, reli o briefing com os dados e o histórico do setor, preparados pela nossa embaixada e o currículo do titular do INDERT, o mais extenso e copioso de todos, noves fora os dos nossos colegas parlamentares… 

Chegamos à sala do presidente do INDERT depois de passar por corredores e salas de um prédio baixo, algo mal conservado, com vários carros encostados no pátio interno – um ambiente que contrastava com a importância por todos atribuída à reforma agrária no Paraguai. 

Moreno, magro, formal e atencioso, Alderete principiou nos informando seu contentamento com a assinatura de um acordo de cooperação com o Brasil na sua área. Em seguida, passou a discorrer sobre as estratégias do atual governo para reestruturação fundiária tão desejada. Segundo ele, são quatro os principais mecanismos: a compra direta de terras pelo Estado; a expropriação pública; a recuperação das terras ditas “malhabidas” – glebas públicas irregularmente distribuídas pela ditadura; e, por fim, recuperação de lotes destinados à reforma agrária e que foram negociados de forma irregular e, posteriormente, vendidos a preços até dez vezes abaixo do valor de mercado a não beneficiários do programa. 

De pronto, senti pena e solidariedade pelo nosso anfitrião. Com a imensa tarefa e responsabilidade de realizar uma reforma agrária num país de 406.752 km² e 6 milhões de habitantes, dos quais 42%, ou seja 2.5 milhões, vivendo no campo, ele não contava, nem de longe, com mecanismos executivos para fazer face ao desafio. 

A recuperação de terras, os dois últimos dos quatro dispositivos citados, é sempre uma batalha longa, custosa e incerta, no contexto de uma legislação conservadora. Já a compra direta de áreas é mecanismo acessório de uma reestruturação agrária, dado o seu alto custo. Quanto à sonora “expropriação pública de terras” citada, retornemos a palavra ao presidente do INDERT. 

No Paraguai, explicou-nos didaticamente, a expropriação só é feita mediante depósito prévio e à vista do valor das terras. E com “autorização do Congresso, mediante lei”… O que coloca o nosso Estatuto da Terra, de novembro de 64, na condição de legislação quase revolucionária, sem sombra de dúvida. 

Alderete não foi capaz de nos dizer qual o estoque de famílias a atender via reforma e tão pouco o tempo e custo global unitário por família assentada. Pedida uma estimativa, disse-nos que algo em torno de 29% da população rural não tinha terras, o que totalizaria cerca de 120 mil famílias. 

Quanto aos recursos de que dispõe anualmente, revelou dispor de 25 milhões de dólares, o suficiente para assentar 3 mil famílias ao ano. O que demandaria 40 anos para que se assentassem todas as famílias existentes, mantido o atual volume de recursos. 

Interessante (?) notar que os recursos do INDERT e da reforma não provém do tesouro paraguaio, mas sim dos royalties pagos por Itaipu (5%) e do retorno financeiro das vendas de terras públicas a terceiros. 

Nada a estranhar, portanto, quando nosso anfitrião se disse pessimista sobre a possibilidade de alcançar “resultados significativos”. Na sua visão, os avanços ocorrerão, mas serão limitados. 

Quanto aos “brasiguaios”, ressaltou que o INDERT cuida apenas de terras públicas. E que muitos dos nossos compraram terras de particulares. Como os demais entrevistados, afirmou ignorar o número real de “brasiguaios” e que muitos tinham comprado ilegalmente “derecheras”. O que, claro, os colocaria na mira do Instituto. Entretanto, enfatizou inexistir qualquer discriminação, contra quem quer que seja e de qualquer nacionalidade. Mas, lembrou, desde 2004 que as áreas para assentamento destinam-se exclusivamente a paraguaios. 

Chegada a hora de partir para a próxima parada da nossa agenda, agradecemos a atenção e corremos para a van, rumo à embaixada e ao encontro com a comunidade brasileira residente no Paraguai. 

Ah, sim! A resposta do ministro Filizzola à pergunta sobre qual a solução para a reforma agrária. Disse-nos ele que a “atual legislação dificulta (sic) a realização de um projeto como desejam o Presidente Lugo e os sem terra”. 

Alguém discorda?

A seguir: DIÁRIO DE VIAGEM VIII – Enfim, “brasiguaios”