DIÁRIO DE VIAGEM IX, 2ª parte – Brasiguaios, Itaipu, Brasil | Raul Jungmann

DIÁRIO DE VIAGEM IX, 2ª parte – Brasiguaios, Itaipu, Brasil

O Presidente Lugo joga a carta dos “brasiguaios” nas negociações de Itaipu? Aparentemente, sim. O que é grave. 

De outra forma, como explicar que passados cinco meses de sua posse ainda não tenha depositado o acordo de residência e migração do Mercosul, aprovado pelo Congresso paraguaio no apagar das luzes do governo anterior?  Ou será porque se trata de legislação do governo Nicanor Duarte Frutos, como nos disse o seu vice-chanceler? Ou, ainda, que o assunto encontra-se em estudo, como nos afirmou o Presidente? É claro que não. 

O acordo data de quatro anos, quando foi firmado pelo Brasil, Argentina e Uruguai. A legislação nada tem de complexa. Denunciar o que foi recém aprovado pelo parlamento não é politicamente viável, logo…  Difícil tirar outra conclusão. Até porque a ratificação do acordo, além de criar a base para a legalização dos “brasiguaios”, beneficiará paraguaios vivendo no Brasil em situação similar. 

Até que se dê o depósito do acordo, a situação dos brasileiros em território paraguaio não será fácil. Aliás, conforme admitiu o chanceler Celso Amorim, numa resposta extensa e honesta a um requerimento de informações nosso. 

Jogar diplomaticamente com a segurança de 300 ou 400 mil “brasiguaios” é inadmissível e isso tem que ficar bem claro ao nosso vizinho A vida de nossos cidadãos não é ou poderá ser moeda de troca em nenhuma hipótese. Cabe à nossa diplomacia ser clara quanto a essa situação e suas implicações perante o Congresso Nacional e a opinião pública brasileira. Além de tomar as medidas cabíveis, requeridas e inadiáveis para encaminhar uma solução tempestiva para o problema. 

Quanto a Itaipu, duas observações. 

A binacional deve explicações ao parlamento brasileiro e paraguaio quanto à “caixa preta” do seu orçamento operacional, doméstico. Nós e os paraguaios não podemos ter acesso a estas contas por se tratar de um empreendimento binacional, alegam. Ou seja, Itaipu, construída 100% com recursos públicos, não é fiscalizada publicamente por nenhum dos lados… 

Donde, em outro plano, a auditoria da dívida global, estimada em US$ 19 bi e já acertada entre os dois paises é muito bem vinda. 

A segunda observação remete aos pontos estratégicos para nós.  

A disponibilidade paraguaia de colocar a sua energia, 50% do que é gerado por Itaipu, em condições de mercado para o Brasil, Argentina ou Chile, é inegociável. Idem a zeragem da dívida que resta do financiamento contratado. Já a construção da estação da margem esquerda, que dará ao Paraguai o controle operacional da energia que lhe cabe e que nos é revendida, caso aceita, deverá ser cercada de salvaguardas adicionais. 

Somadas, as agendas – “brasiguaios” e Itaipu – tem imenso potencial de pressão e conflito sobre a pauta bilateral dos dois países. Isso, num quadro que caminha para uma crise política do lado paraguaio, não é, em absoluto, um bom presságio. 

Finalizando e em que pese todo o contencioso exposto ao longo desses “Diários”, o apoio ao Presidente Lugo, por parte do Brasil e no limite do total respeito à soberania paraguaia, é o que melhor convém ao interesse nacional.  

O retorno ao status quo anterior representa, a médio e longo prazo, o adiamento de soluções para problemas estruturais do nosso vizinho, com conseqüências nefastas para paraguaios e “brasiguaios” mais adiante. 

Liderar, juntamente com a Argentina e no contexto do Mercosul, um amplo processo de redução das assimetrias e desigualdades vis a vis o Paraguai, de modo consistente e planejado, nos parece muito mais adequado que a política de “generosidade” para com o vizinho, cujo paternalismo, assistencialismo e improvisação, se atenuam crises, em nada resolvem o essencial: paz e segurança para todos. Estas, apenas o desenvolvimento social e econômico sustentável de Brasil e Paraguai pode assegurar. 

A seguir: DIÁRIO DE VIAGEM X – Sta. Cruz, Cochabamba e. . . brasileiros, claro!